sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O Boteco: Aniversário de Pierre

Acendeu um cigarro. Sentado sozinho numa mesa de bar, pediu um chopp e fumava. Sentia falta disso. Há muito tempo não se dava esse pequeno mimo. Mas era véspera de seu aniversário, podia fazer isso e não se preocupar com o mundo à sua volta. 

Apesar de não estar dando a mínima atenção ao mundo que girava em seu redor, Pierre notou a entrada de Solano no bar. Como não notar? Era o cara mais bonito que seus olhos haviam visto.

Solano tinha a boca bem vermelha, olhos castanhos e pele bronzeada de sol. Não era forte, nem franzino,  tinha uma cara de homem, com a barba por fazer, sobrancelhas grossas, mas desenhadas pela natureza a fim de garantir bom resultado à escultura de Deus. Assim que Solano percebeu o olhar tão encantado de Pierre, abriu um sorriso. Era o sorriso mais belo e mais gracioso de todo o ambiente. 

Solano sentou próximo ao balcão, pediu uma dose de whisky e rezou ter coragem de falar com o homem mais gostoso e, no entanto, solitário do bar.

Pierre, como estivesse escutando as preces de Solano, levantou-se, perguntou se poderia sentar ao lado dele. Claro que sim, respondia o sorriso de Solano. Conversaram, Pierre disse que no dia seguinte seria seu aniversário e então, seu mais novo conhecido decidiu que comemorariam a partir daquele instante. Um beijo selou este momento e o resto da noite passaram agarrados um ao outro. O resto dessa noite e as outras noites seguintes dos treze anos seguintes e até hoje.

domingo, 28 de novembro de 2010

A mulher ao pé do prédio (ou Bóris escreve histórias das quais não se sente dono)

Bóris passou, então, a rabiscar algum papel que encontrara na sua mesa de trabalho. Riscou quase todo o papel, mas deixou no centro uma figura que lembrava um triângulo, nada muito regular, ou desenho digno de um arquiteto. Era apenas o desenho de um cara desencantado com a meia dúzia de histórias que era obrigado a escrever todos os dias. Histórias que não lhe pertenciam, que não saíam de sua boca, nem sequer de seu coração. Escrevia assim, todo dia, a fim de pagar suas contas. Não, não sairia dali apenas porque queria ser livre para colocar no papel as suas histórias, não sairia dali porque sonhava em ver as pessoas no palco representando o que escrevera. Não sairia dali pois sabia que não teria sucesso em lugar algum, em momento algum da vida. Sabia que não seria aceito fora dali, que seus conhecidos todos não o apoiariam nessa loucura. E, a propósito, não sairia dali pois tudo o que conquistara estava ali e ali era o melhor lugar onde estivera toda a vida, mesmo não sendo o lugar do seu coração. 

Enquanto tomava um café, olhou para baixo do prédio não muito alto, no centro da cidade. Conseguiu avistar de lá de cima uma mulher parada em frente ao prédio que parecia num impasse entre entrar e não entrar no prédio. A mulher olhava o relógio, tomava o celular na mão, colocava a mão na cintura, ou no bolso, ou alisava o cabelo. Ele reconheceu a mulher. Sabia quem ela era, mas não queria descer e encontrá-la. Lembrou de suas histórias, não a meia dúzia diária, mas aquelas que guardava na gaveta do criado-mudo herdado de sua vó. Lembrou que ela o inspirara numa delas e lembrou perfeitamente toda a história. 

A mulher continuava lá na porta do prédio. Não demorou muito e tomou coragem de dar um passo. Mas a coragem não era suficiente para fazê-la entrar, era descoragem. Saiu da frente do prédio onde Bóris trabalhava. Saiu do ângulo de visão de Bóris. E como num passe de mágica, saiu da cabeça dele, a história que escrevera pensando naquela mulher.

Voltou à sua mesa onde achou o triângulo desenhado. Lembrou que precisava fazer novas histórias, ainda não chegara na quarta. Tossiu e recomeçou a escrever.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Bóris

E como fazia todas as manhãs, acordou com vontade de mudar o mundo. Colocou sua roupa de super herói, penteou os cabelos, escovou os dentes, comeu uma maçã do herói e abriu a porta. Saiu da toca secreta do herói. Mas ao chegar ao portão se deu conta que era herói de nada algum e, então, saiu de casa apenas tentando não morrer naquele dia!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

American Pie

Eram sete e meia da manhã e ela não acordara, porque ainda não dormira. Mantinha os pés quentes, apesar do inverno que fazia do lado de fora do cobertor. Não conseguia fechar os olhos e relaxar. Parecia que estava com algum estimulante, mas nem uma trepada, nem sequer uma tinha dado. Não trepava há algum tempo. Mas isso também não importava. Há muito não achava o pau ideal. E preferia ter em suas mãos, boca e boceta o pau ideal. Não, qualquer pau não servia. 

E ao invés de passar as noites nos bares com as amigas à procura de alguém, matava suas noites em café, chocolate e cerveja, mas esta última só de vez em quando. Só nos momentos em que queria se sentir parte de um mundo normal.

Então o rádio-relógio apitou oito horas e ainda nenhum sono tinha chegado em seus olhos. Pensou que seria melhor se levantar e se vestir para o trabalho, afinal às oito já estava um pouco atrasada. Lembrou-se que era feriado nacional. E o desfile com carros e cavalos, provavelmente estaria, dali a instantes, na televisão. Mas não ligou a TV. Preferiu não ver nenhum cavalo cagando a rua inteira. Preferiu apenas continuar deitada. Por ela, morreria naquela situação. Deitada na cama, sozinha.

A cama não era de casal. Era uma cama de solteiro. E ela sempre preferiu. A cama de casal lhe dava sempre a impressão de estar só. E isso, apesar de se seu desejo, não era muito bom. Gostava de ser a mulher independente e solteira e dona de seu próprio nariz, mas não lhe apetecia a solidão em noites como a anterior, de inverno. 

Não suportava ver o relógio de parede caminhar e os pássaros cantarolando felizes apesar do frio, já lhe davam certa agonia. Desejou naquele momento controlar os pássaros e fazê-los calar a  boca. Calar o bico, quis dizer. Desejou no instante seguinte que seus vizinhos não conversassem na varanda, que o moço vendedor de pamonha não tivesse nunca comprado aquele megafone e que o rádio-relógio não apitasse a cada hora.

Bom, estava cansada de não conseguir dormir. Ligou a TV. Talvez os cavalos a entretesse. Calçou as pantufas com estampa de cachorro pra aquecer mais ainda do inverno denso que invadia impiedosamente seu quarto. E então, como mágica provocada pelas crianças do coral que, neste momento, na TV, cantavam a música que seu pai costumava cantar antes dela dormir, ela caiu em um sono profundo de mais de quinze horas e não quis saber de mais nada. Nem da saudade do pau, nem da saudade do pai. Nem da vontade de calar os passarinhos, nem de calar a pamonha. Nem na cama de casal ela pensava mais, muito menos na possibilidade de um dia chegar a ter uma. E a TV, ao invés de feriado, anunciava a morte de um cantor lenda do Rock, cuja principal canção embalava o sono da insone moça.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Um Monte de Palavras Descontroladas e Sem Sentido Algum

Vidro.
Papel.
Estrela.
Canhão.
Vidro.
Vinho.
Leite.
Esquema de Intrigas.
Raiva.
Revira.
Volta.
Bota.
Mosca.
Cortina.
Vômito.
Padre.
Marinho.
Bené.
Dito.
E feito e faço e faca.
E medo.

Noite de Desafetos

Odeio esse coração amargurado que carrego batendo a cada segundo.
E esse samba que não pára de tocar em minha cabeça.
E odeio quando não encontro minhas lembranças.
E quando fica mais fácil chorar do que rir.

Odeio quando o dia nasce e eu ainda não aprendi a viver o ontem.
Odeio quando a TV só tem notícias sobre caretas.
Odeio quando a minha caneta falha no meio de um poema.

E odeio quando a esperança é a primeira que morre.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A Canção Dos Esquecidos

La la la la la la la la la la la la
Canção de amor.
La la la la la la la la la la la la
Coragem de andar
La la la la la la la la la la la la
Sorriso amarelo com dentes em aparelho

Escreveu sem saber o que realmente queria dizer
Mas manteve as coisas escritas, ainda assim.
E depois de tudo, resolveu pensar em quanto tempo perdeu
E chorou uma pá de lágrimas que não tinha gosto de nada

Gritou um nome que ninguém pôde escutar
Uma melancolia estranha e de repente
Estava louco mais uma vez
Estava rouco mais uma vez
Estava pouco mais uma vez

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Olhar Encharcado

Lembra daquela vez, sentados no Porto?
Onde não podíamos explicar o que estava acontecendo?
E os olhos cheios de amor?
E os pés cheios de areia?
E a cabeça cheia de sonhos?

De lá até aqui, só mesmo restou o olhar encharcado.
E mesmo que estejamos na mesma areia,
Olhando o mesmo mar,
Sentados no mesmo lugar que
Outrora visitamos para sonhar com o futuro,

Mesmo que encontremos
O mesmo vendedor de cigarros
Que nos contou muitas de suas
Histórias de amor,

Ou que passemos perto dos velhinhos
Que sorriram ao nos ver apaixonados.
Mesmo isso!

Nada será suficiente para
Trazer de novo
Aquela brisa que vinha com os cafunés
E com as nossas mãos entrelaçadas.

domingo, 22 de agosto de 2010

A Carta de Letícia (ou Aquele Texto Pós-adolescente)

E agora?
Não, não o José!
E agora? Você?
Sem querer ser plágio.
Mas e agora?

Não havemos de ser tão pobres na alma
Não havemos de querer um mundo mais cinza do que colorido
Não há mais estradas tão tortuosas e tão cheias de neblina
As estradas são estradas, dentro da minha cabeça.

E as muitas horas perdidas e colchões manchados de tristeza?
E agora?
Não se farão mais presentes?
Nem virão com uma fita vermelha e um laço bonito?

Acho que não
A mesma água que tomamos ontem
A mesma água pela qual fomos batizados
Essa mesma água já lavou tudo que trouxemos de ruim.

E nos restou um travesseiro
Ao invés de espuma ou penas, há flores de camomila
Ao invés de insônia e maus pensamentos
Há sonhos e velhos desejos voltando à vida

E há beijos de boa noite
E há canções de ninar
E há, como nunca houve, vontade de acordar amanhã.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Frida

Acendeu todas as velas que conseguiu encontrar em casa
Fez uma oração a todos os santos que conhecia
A todos os orixás, da terra e da água, aos caboclos.
Fez uma canção especial à Rainha das Águas, que é Iemanjá.

Dessa forma continuou a noite inteira entoando louvores e cânticos
Clamando à mãe natureza, aos seus deuses e deusas.

Escreveu num papel uma lista de desejos, já acendera o fogo
Agora queimava a lista,
E como a deixar que o vento soprasse seus desejos aos deuses
Deixou que o vento levasse as cinzas para longe

Cantava durante todo o ritual
Molhou os cabelos com a água abençoada por ela mesma,
Enquanto entoava as canções
Era parte do ritual, se fazer
Parte da natureza também.
Evocou mais uma vez todos os seus deuses, orixás, santos...
Podia sentir o poder de suas orações.
Como um sopro de energia

Não sabia no que resultaria aquilo, mas sentia-se plena
E sua alma já estava em êxtase
Continuou cantando às águas, 
Pediu a benção dos céus, 
Reza com a vela acesa
Entre dizeres ensaiados e espontâneos
Lágrimas e arrepios e vontade de ser tudo

Como se todo bem e todo mal se encontrasse nela
Como se todo o poder do universo estivesse em seu corpo
Como a magia da noite e do dia pudesse fazê-la completa
Era ela acompanhada por anjos e santos
Era ela comandando exército de bem e mal, numa equivalência
Nunca antes vista
E era nela que tudo parecia convergir

E num vento muito forte, o apagar de todas as velas
E um raio cortando o céu
E a chuva que começava a cair com muita força
E a certeza de estar sendo escutada

Já não entoava mais cântico algum
Calou-se
E ficou sentindo-se parte do universo
Sentido o universo girar contigo
E todos os deuses lhes soprarem segredos aos ouvidos
E caiu num sono tranquilo.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

calmante

borboleta em cima da mesa
como um monte de cores em cima
da prancheta
e um
minuto apenas de sobriedade
e um gole na cachaça pra me fazer dormir
e um beijo e uma raiva e um veneno
e sem querer, explodi 

desde que eu te vi ontem e me imaginei dentro
de seu corpo
e o meu corpo querendo sentir 
contagem regressiva em nossa cama
e dez armar o gozo
pra não se fazer enxergar suor

vai dormir hoje com um pouco de remédios
e vai fazer efeito essa droga que ele fuma?
e esse pó que clareia seu rosto e esconde suas feições
e essa areia que está na sua boca
na sua pele
no seu chão
no chão da sala

se arrasta
moleque cheio de tremores
temores
terrores
atores em cena
e
luz e palco e aplauso 
pra puta que pariu
no asfalto

deixou o sangue escorrer
suor e sêmen
escorrerem
e o pouco da noite passada
passar na lembrança
cachaça, porra, fumaça

sonos em borboleta de cores vic

domingo, 18 de julho de 2010

(sem título)

me sobra um olhar no restinho de madrugada
quando planos e sonhos e desejos e quereres
já não têm a mínima importância

se não fosse por um pedaço de lua que ainda se vê no alto
poderia dizer que era pura imaginação

contar estrelas com a cabeça num travesseiro de areia
nunca tinha sido tão gostoso
e as mãos entrelaçadas
e os cabelos
que são enovelados
enovelaram também os carinhos

sobre jogar, no início da manhã
presentes pra sereia
e desejar que o amor seja eterno

sobre acreditar em mandinga
a mandinga que uniu um e outro
num só

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Cotidiano (ou A História de Uma Madrugada)

Rafael levantou, vestiu-se, olhou para a cama, beijou quem nela dormia, saiu pela porta acendendo um cigarro.

Rafael não conseguiu sair. Sentou no sofá da sala e esperou quem estava na cama acordar pra poderem conversar. Tomou um iogurte.

Rafael esperou acendendo mais um cigarro. Sentia-se estranho. Ouviu um barulho que vinha do quarto. Estava quase na hora.

Rafael ficou apreensivo. Pôde ouvir a água do chuveiro cair, um cantarolar que vinha do banheiro. Levantou, quis ir até lá. Preferiu o não

Rafael sujeitou-se a esperar mais uma vez. O chuveiro desligado tornou a cena mais apreensiva.

Rafael olhou a porta do quarto abrir-se. Viu o sorriso de quem estava na cama. Não resistiu ao beijo que desejava.

Rafael pôde sentir a língua de quem estava na cama roçar a sua. Seu desejo era tão grande. Tudo podia esperar. Voltou à cama. Voltaram.

Cotidiano II (ou A Outra Parte da História de Uma Madrugada)

Augusto acordou, mas preferiu continuar deitado. Olhos fechados. Sentiu um beijo e fumaça de cigarro.

Augusto levantou, olhou pela janela, tentou ver quem tinha saído de seu quarto através dela. Não viu. Tomou um pouco de água.

Augusto pegou uma muda de roupa no closet. Esbarrou no criado-mudo e deixou cair o despertador.
Estava sentindo-se bem, apesar de nervoso. Tomou um banho, cantarolou algumas músicas. Desejou quem tinha saído do quarto junto a ele no banho.  

Augusto terminou o banho. Secou seu corpo. Pensou em telefonar depois do café, marcar uma conversa e um vinho à noite. Estava tão apreensivo. 

Augusto abriu a porta do quarto. Encontrou o sorriso de quem tinha saído do quarto no sofá da sala. Não resistiu ao beijo que desejava.

Augusto pode sentir os lábios quentes de quem tinha saído do quarto. Agradeceu por ele não ter ido embora. Voltou à cama. Voltaram.

sábado, 26 de junho de 2010

Medo

De sair do calor e segurança da barriga
De ficar sentado no chão sem nenhuma segurança
De levantar e dar o primeiro passo
De cair quando ficou de pé a primeira vez
De passar perto do cachorro
De acender o fóforo e se queimar
De colocar a tomada no plug e tomar um choque
De caminhar sozinho até a escola
De dormir no escuro sozinho
De acordar de madrugada
De ficar em casa sozinho aos sábados de manhã
De subir na escada da casa da vizinha da tia
De olhar pra baixo quando estava lá em cima
De tirar nota baixa
De sair de casa num domingo à tarde e ir pra capital estudar
De que seu pai estivesse passando mal e não lhe avisassem
De andar pelo bairro de sua escola
De morrer quando o que mais desejava era morrer
De perder as melhores pessoas da sua vida
De ficar sozinho e não conatar a ninguém sua história
De perder a memória das boas coisas que fez
De não sonhar mais nunca
De morrer sem ter acreditado em si
De deixar pela metade os escritos e choros e sorrisos.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Rodrigo


Subiu ao último andar.
No terraço daquele prédio velho
Ficava observando a cidade grande
Atrás daquelas antenas
E daqueles prédios descascados

Nem sequer sabia há quanto tempo estava ali
E o tempo pouco importava a ele
Não podia perder mais tempo lá dentro
Se o mundo aqui fora gritava sua presença
Era atuar numa peça mal escrita

Os textos borrados de chuva
As roupas amarrotadas de sempre
Um sorriso perdido no canto do lábio

Uma lágrima escorrendo pelo rosto
Como sinalizando o fim. Ou o princípio?
Quem mais, além dele mesmo, pra saber?
Era Outubro. 
E um monte de coisas de Outubro aconteciam!

Nem em sonho o tempo passava tão rápido!
E num piscar de olhos via-se carros quase parados
Era a cidade
Grande
Era o verniz
Era um pouco de farinha

Ele e um cigarro no topo da cidade
Ele e as lágrimas correntes que vinham em seu olhar
Insistentes em saltar do olho
Ele e as lembranças dos sonhos

Ele era um sonho
Era errado acreditar em sonhos?
Fechou os olhos.

Daquele topo, do alto, podia voar
E planava sobra as nuvens
E voava sobre os carros parados na via pública
E fazia piruetas em cima das casas, entre os prédios

E virou capa do jornal do dia seguinte.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Amélia

Jogou as chaves num canto qualquer. Correu pra janela pra tentar ver os carros lá embaixo. Há muito tempo não se sentia tão feliz. Corria de um lado a outro de seu apartamento. Acendia e apagava as luzes. Riscava papéis. Rasgava outros. Queimava mais um tanto. Saltava e cantava como uma criança que ganha o brinquedo mais desejado. Era o melhor de todos os dias de sua vida. Era uma felicidade que não sabia nem de onde vinha. Mas sentia. Ligou a TV, conversou com ela um pouco e em seguida desligou. Ligou o rádio, que tocava a sua música predileta. Dançou como dançara no seu baile de debutantes. E sorria. Sorria muito. Pra tudo. Pra todos que passavam embaixo. Era como recomeçar a sua vida. Era como se encaixar perfeitamente no que ela sempre sonhara. Era como receber o primeiro sim de sua vida. e assim adormeceu.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Alessandra e Alberto

Segurou as lágrimas no olho. Achava a vista do mar tão bonita durante a tarde. Esperava sempre o pôr-do-sol sentada na mesma pedra há treze anos. Estava mais uma vez naquela pedra que já era amiga de suas alegrias, tristezas, euforias e dores, amores, paixões, medos...

Agora estava apenas admirando o mar. A beleza das ondas que iam e vinham e iam e vinham e iam. Alessandra sentada na pedra. A lágrima contida no olhar.

Conversava com o vento, com a areia. Colocava tudo o que sentia naquele momento em palavras jogadas.

Alessandra amava estar sozinha, mas agora sentia-se abandonada. Estava triste. A lágrima irremediavelmente escorreu pelo seu rosto.

Alberto passou, percebeu que uma mulher chorava sentada em sua pedra. Olhou para ela e perguntou o que se passava. Na mesma hora ela secou com a manga da camisa e disse: "Só uma lágrima!"

Alberto respondeu: "Então quando acabar, saia de cima da minha pedra, preciso eu chorar nela daqui a pouco."

Enquanto se punha o sol, Alessandra caminhava pela areia voltando para casa enquanto Alberto sentava na pedra.

Areia.

Mar.

sábado, 24 de abril de 2010

Juliana e Carlos (ou Você Não Gosta de Mim)

se foi pra
fazer de conta que
você me
chamou aqui,
pare agora


eu não
tenho vontade
de te contar sobre fantasias
nem sobre
a cama
nem sobra
o rádio
ligado


não sobra nada
nem pó
nem fumaça


se for
só pra fazer
de conta
eu apago a luz

fecho 
a porta

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Sávio

Apenas olhou o travesseiro ao lado
Meia cama vazia
Um copo de whisky pela metade
Pontas de cigarro sobre o criado-mudo

O telefone celular não tinha chamadas perdidas,
Nem mensagens de textos recentes
Apesar de ser isso que ele tanto esperava.

Não lembrava de como era chata essa espera
Na verdade, nunca passara por aquela agonia

Pareciam intermináveis horas
Minutos
Segundos
Parecia que a noite também não acabara 
E ele ainda estava lá!
Esperando

Como era ruim ter que passar por isso!
Como era angustiante esse momento!
Apenas olhava o celular,
Verificava mais uma vez que não havia nada
E baixava a cabeça.

Pensou em ligar
Discou os números que correspondiam ao de Jorge
E ninguém atendeu

Acendeu mais um cigarro
Foi até a janela
Ver a chuva tocar o vidro

Olhou a tempestade que caía
E discou mais uma vez
Ninguém atendeu.
Desistiu.

Talvez hoje não fosse um bom dia
Deitou novamente
Ouviu o trinco da porta girar
Jorge apareceu com o sorriso mais bonito do mundo
Pediu desculpas
E sentou na beira da cama

E passaram o resto do dia
Fazendo com que ele fosse bom.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Salto (ou TV Sem Som)

O tempo passa
Assim como as pernas andando do lado de fora
Tal e qual passam todas as oportunidades

E você não faz ideia
De como a história termina.
Está dentro de seu quarto
E não se importa em ver a vida passar

A música que toca no rádio
Ou a personagem na TV, sem som
O engraçado peixe solitário no aquário
Todos assistem a você no seu tempo

E você, que canta enquanto tenta dormir
Acredita que amanhã será um dia melhor
Acorda, espera, sonha, canta, dorme
E acredita que amanhã será um dia melhor

Mas não vê o tempo passar
Não enxerga que é preciso levantar
Que acreditar é apenas um passo

Mas amanhã tem de ser melhor
E continuar seguindo em frente
Parece ser o mais óbvio
Até ver o sol brilhando num céu de agosto
E desligar a TV, enquanto canta sorrisos
Pra deixar passar o tempo perdido
Se abrindo pra ganhar o amanhã

segunda-feira, 29 de março de 2010

O Sorriso de Outro Homem (ou Carta)

Celebração
E ri

Cantando com as bordadeiras
E ri
E chorei

E depois do alvorecer,
Eu ri
Chorando os mortos de outrora

Morri cantando
Com as lágrimas
Caindo dos olhos
E molhando o papel de carta

Pra depois ouvir uma música
Alegre
No rádio de pilha na sala
E despedir a dor
Como se despedisse um velho amor

E fechou o caderno.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Da Noite Em Que Se Pensou No Fim De Tudo

- Eu gosto muito de você!

Silêncio.

- Você não vai dizer nada? Como você pode ser indiferente a esse sentimento?! Como pode ser indiferente a minha declaração!?

Silêncio... Uma lágrima escorre pelo rosto.
Entre soluços:

- E eu que achei que você era, no mínimo, receptivo. No mínimo, que gostava de se sentir amado. Que apreciava toda minha dedicação, que gostava dos meus bons tratos...

Interrompe com dois dedos nos lábios do falante.

- Eu te amo, seu bobo!

Beijo de fim de novela.

domingo, 7 de março de 2010

Do Quase Sobrevivente Para A Quase Boneca (ou Apenas)

Toda alma é triste. Só os atores conseguem fingir que são felizes. E as pessoas sem coração não podem sentir o quanto são tristes. Quebrou o vaso. Aceitou sua condição de morte do espírito antes da morte do corpo. Anda pelo mundo contando histórias felizes, tentando disfarçar-se e enganar os trouxas.

Pretérito Imperfeito

A gente sempre acredita que vai ser feliz pra sempre né? Mas eu percebo no olhar da moça ao lado que isso é mentira. A moça não é feliz. Eu fico triste por ela. Ela era cheia de sonhos. E sonhava com seu feliz pra sempre. Mas não foi assim que se deu. Agora ela deve se perguntar: "Onde foi que eu errei tanto?"... Essa culpa católica que nos vem à cabeça de que a infelicidade nossa é nossa culpa. Ela chorou há poucos. Não lembrava de como era ruim esse choro de infelicidade. E agora eu fico apertando minha mente. Quando mirei seu olhar, revivi uma cena de cerca de dezoito anos atrás. E eu não fiquei feliz com isso. Me dei conta que preferia que ela fosse feliz. Ela faz questão de esconder de todo mundo, mas não sorri nunca. Ela deixou que os problemas e tristeza e a falta de amor e o mundo inteiro e suas sujeiras melassem a ideia de mundo legal que existia em seus sonhos. Ela acbou por destruir o mundo mágico da menina. Seus rosto é cansado e triste. Ela não ama mais o mundo como gostaria e desistiu de viver pra ser feliz. Agora ela espera que sua vida acabe por conta de não gostar de viver. Parece que toda a sua vida está pronta. Deixou-se abandonar na infelicidade e prefere ser assim na vida. Está tão seca quanto o jardim la fora. E das flores que embelezavam sua vida restou apenas as folhas no chão e os espinhos nos galhos. Nem haverá mais primavera em seu coração. Aconteceu que decidiu ficar assim. Até o dia que não for mais possível ser infeliz.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Diário de Alberto Sanches Malta de Bragança e Toledo

Tentando, entre as lágrimas de ontem, resgatar no mais profundo de minha alma algum resto de auto-estima. Apenas encontro um pouco de terra e um pouco de sementes secas. Nada que se possa plantar e colher de bom. A vontade que me vem ao coração é arrancar de mim todo o sentimento. Mas como fazê-lo? Eu perdi minha força de vontade. Eu perdi meu interesse em mim. Nem mais consigo me olhar no espelho e reconhecer o garoto cheia de vida que via. Algumas coisas destruiram em mim o que demorei uma vida inteira pra construir, tão facilmente como se sopra uma vela de aniversário. A verdade é que depois desse diário, eu devo escrever uma carta de suicídio. Meus amigos irão saber. Minha família irá saber. Minha alminha atordoada dentro desse corpo, ainda inadaptada. Ela não sabe como sobreviver nesse mundo, nesse corpo, nessa carne. É uma alminha nova, só pode. Inocente em tudo, não sabe como é que se dão as coisas por aqui. Sofrimento demais pra ela, que é obrigada a abrigar este pedaço de carne ruim. Sempre sentindo muito por tudo e clamando aos céus misericórdia de Deus, pra que a permita sair daqui de dentro. Na verdade, posso ouvi-la chorar. É só fechar os olhos e tentar escutar dentro do meu coração. Os gemidos são de minha alminha, fora de contexto nesse mundo. Quem dera encarasse em um animal. Mas encarnou em homem, fraco, medroso, covarde, metido a justo. Encarnou na escória da raça dos homens. Era uma experiência frustrada e insignificante de vida. Estava louca, a alminha, pra não mais encarnar tão cedo. Esperava e desejava sair daquele corpo e quem sabe, um dia voltar a ser rato, pois que o rato da vida passada, curta, diga-se de passagem, fora um rato corajoso, ao menos. Eu despeço a minha alma. coloco-a pra dormir numa dessas noite de destrução, desvalorização e medo. Encontrei um velho caderno. Talvez meus velhos segredos possam ajudar a relaxar minha alma e fazê-la descansar ainda em mim. Pra amanhã tentar começar tudo de novo, viver o que for preciso, esquentar o coração ou deixar-se abandonar no precipício.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O Que Sobrou da História de Nós Dois


Parou para ouvir os pingos da chuva na janela
Olhava as gotinhas escorregando pelo vidro
Sentiu um frio repentino, parecia que inverno chegara

Olhou uma xícara sobre a mesa
Pontas de cigarro e cinzas dentro dela
Ainda um resto de café da noite anterior, talvez.

A cama desfeita
Travesseiros pelo chão
Uma embalagem de chocolates no colchão

Um par de meias sujas no banheiro
Um par de escovas de dentes
Um par de chinelos de borracha

Um sofá grande e vazio
Uma TV desligada,
Parecia que acordara no último dia de sua vida

Todos os pensamentos voltados
Para fora de sua janela
Lá, passavam pernas e saias e calças desbotadas

Catou umas fotografias velhas
Juntou todas num prato velho
Tomou o álcool e o fósforo e pôs fogo na pilha de retratos

Fechou a cortina
Fechou a porta
Fechou os olhos

A fumaça parecia fazê-la
Esquecer de tudo e cair em sono
Assim levou os dias que se seguiram

Contas de Ogum

Refeito em sopro
Como um algo que surge
Sou apenas virtude
Virtude disfarçada de imperfeição

Enquanto as voltas
Do colar de contas
Me parecem enforcar o pobre garoto
Me sufoco em um beijo interminável

Onde há língua e lábios e saliva
E mais um resto de sedução
Que com fé em Ogum, salvará a noite.

Há mais que desejo entre nós e eu posso sentir
Há um tanto de sentimento
E eu sei disso, por que assim disse minha mãe

Quando a chuva veio e levou de mim toda a lama
Eu descobri que não era apenas um sonho bom
E então? Onde estavam mesmo as pétalas de rosas?
No buquê da noiva, esperando um sentido de estar

As contas em azul-marinho me davam tranquilidade
E era assim que eu esperava a noite

Aquele rapaz de Ogum, os conselhos de minha mãe
E a sedução irremediável de seus olhos
Negros como sua pele
E sua fé
E suas armas.

Aprisionando-me em braços e abraços, amarrando
Suas contas nas minhas
Um tanto folclórico e lendário
Um tanto irremediavelmente deslumbrante
Ao juntar o que há em nós de melhor.
Minha virtude e sua virilidade.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Vazio (ou Quinta-feira)

Mas é que agora não há telefonemas nem cartas
Não há taças, nem garrafa de vinho
Não há resto ou um prato sujo
Não há carinho ou cafuné

Neste momento há apenas um cigarro e uma câmera.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Carta de Despedida em Enterro de Mário [ou O Adeus de Luisa para Mário]

Ver em minha cara
Um pouco de sua marca
É como lembrar o nosso tempo
Juntos

Olhar a marca de lágrima
Escorrendo em meu rosto
Através do espelho
É lembrar o passado glorioso
Estando perto de você

E resgatar na memória
As suas faltas de compostura
Suas falhas memoráveis
Madrugadas intermináveis
Esperando você ligar

Ouvir em minha mente seu sussurro
E seu "vem pra mim"
E depois lembrar
O seu levantar e pôr-de-calças...

Quase uma piada de Deus,
Esse amor maluco

Se as surpresas não tivessem
Me mostrado como são fracas
As histórias de amor
Que livros mentem
Que  novelas são apenas
Novelas

Que na verdade,
Todo sentimento é um engodo na vida
Que apenas a carne era-nos importante

Estava eu, aqui, ainda
Falando bem do sentir-se apaixonada
Mas olhe bem pra mim
Sou eu, a mulher chorosa

Agora dizendo
Que o pouco pra você
É bem feito
Que a piada de Deus nos foi engraçada,
Mas eu ri muito mais, no final.

E apenas hoje posso comemorar
Pois definitivamente estás longe de mim.
Bem colocado, onde te cabe
Com amor, Luisa.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Não Há

Não há corpo teu
Onde minha língua não alcance

Não há sequer uma gota de suor teu
Que eu não sugue

Não há qualquer gemido
Que não me faça te engolir em beijos

Não há um olhar sequer
Que não implore por mordidas

Não há em lugar algum
Maior desejo que o nosso

Não há pele, como a tua
Implorando por meu corpo

Não há ninguém, como você
Reconhecendo meu cheiro pela escada

Não há em livros
Histórias como a nossa

E não há no mundo inteiro
Tanta fome, como a minha por você.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Chuva

Aconteceu que ao olhar o céu
Praguejou contra Deus
E evitou cuspir, apenas
Por saber que ia voltar pra sua cara

Colocou um monte de pontos onde
Não deveriam existir.
Deixou que as crianaças quebrassem
Toda a sua louça

Nada mais importava
Nem queria que importasse
Parecia não desejar nada mais

Chorou um tanto de lágrimas
Colocou o lenço no bolso e saiu
Vaidosa, seu vestido rasgado
Seu rosto manchado com a maquiagem

Está aí a mulher forte que te amou

Aquietou o coração
Odiou todos os homens do mundo
Desejou ter amigos naquele momento
Xingou o céu mais uma vez

Tirou os sapatos
Encontrou um banco
Sentou-se
Escondeu o rosto entre as pernas
Chorou com vergonha

Secou as lágrimas e as emoções
Usou seu lenço
Retocou a maquiagem
Superior a todas essas fraquezas
Atravessou a rua

E seu corpo
Libertou sua alma, enfim.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

rainha

lá fora está a rainha
está sentada na namoradeira
encostada, esperando sua coroa


estamos acabando de jantar
e de vez em quando sobra um pouco de comida
a verdade é mesmo que estamos muito bem


e sorrimos muito
ao som de piano

a rainha está lá fora

domingo, 3 de janeiro de 2010

Sala de Estar

O mundo só pode estar louco mesmo! Eu acabo de olhar o céu e a Lua está dando algumas voltas. Ou eu estou girando, ou isso é efeito especial de Hollywood, ou eu só estou bêbado mesmo. Pra dizer a verdade, bêbado. Eu me dou conta disso porque tô vendo a garrafa de gin quase vazia. Mas que nojo, eu odiava gin até... Não me lembro até quando. Talvez até comprar essa porra dessa garrafa. Não tinha nada mais saboroso? Amanhã, sem pestanejar, pergunto pra aquele menino que trabalha na venda! Ele sabe que eu nunca bebo gin, por que desgraça me vendeu esta garrafa? Bom, mas isso não importa mais. Já estou bêbado mesmo. E completamente sujo também. Um fedor de cigarro filho da puta. Mas eu não fumo há cerca de dois anos e meio!! Desde que meu filho nasceu eu não coloco uma bituca de cigarro na boca. Ah, aquele menino da venda aproveitou meu estado ébrio e me vendeu cigarro também. Mas eu nem sinto gosto de cigarro na boca, como pode ser? Ah bom, é minha namorada que fuma na varanda. Essa vadia, já mandei não fumar em meu apartamento. Mas eu to bêbado e ela se aproveitou de minha fraqueza! Ela veio me reclamar, dizendo que eu tinha deixado, só dessa vez. Está chovendo. Minha varanda está um pouco molhada. E eu estou deitado no chão da sala. Daqui dá pra ver o céu. A minha mãe disse que homens bons vão pra lá. Disse que meu avô está lá. Eu acreditei e quis ser igual a ele. O céu que eu via nos livros era bonito. Tinha tigres e elefantes juntos de pessoas. Eu adorava os tigres, queria ir pro céu. Mas rapazes que bebem, fumam, transam antes de casar, tem filhos e não casam com a mãe destes, e ainda por cima pagam prostitutas não vão pro céu. Eu fui colocado pra fora da fila. Talvez um dia eu volte. Já parei de fumar e agora meu filho tem vindo me visitar aos fins de semana. E eu parei com as prostitutas depois que comecei com Fernanda. Estou mais perto do céu agora. A campanhia tocou. Quem seria uma hora dessas? Visitas no meio da noite. Se for quem eu estou pensando que seja... Não é. Ainda bem. Ia me colocar umas trinta posições atrás da fila do céu. Era só a comida chegando. Fernanda passou por cima de mim e foi atender à porta. Ela estava sem calcinha por debaixo da saia. Adorava vê-la sem calcinha por debaixo da saia. Era como saber que queria transar. Eu estava bêbado e com tesão. Que combinação louca! Fernanda comeu, me deu algumas fatias de pizza. Eu permanecia no chão da sala. Estatelado. Como se não tivesse os movimentos do corpo. O  céu. A lua giratória, não sei pra que, nem por que girava tanto, aquela bola sem graça. Fernanda sem calcinha por debaixo da saia. E a garrafa quase vazia de gin sobre a mesa de centro. Pontas de cigarro. Isqueiro. Me sentia num filme tosco, mal produzido, com um roteiro pobre e um diretor fuleiro. Eu era o ator principal. Grande merda. O mocinho vai morrer antes dos trinta. Eu fechei os olhos. O vômito foi inevitável, mas deu tempo de correr à privada. Trinta e dois minutos no banheiro. E uma sede desgraçada depois de vomitar. Queria água, bebi a do aquário. Tinha um gosto ruim pra caralho. Fernanda surgiu como uma ninfa. Uma jarra de água numa das mãos e na outra, um copo. Eu sabia que ela me amava. E eu a amava também, apesar do cigarro. Tomei toda a garrafa. E voltei ao chão da sala. Fernanda voltou à varanda, ao cigarro, ao gin. Adormeci por ali mesmo.