sábado, 27 de outubro de 2012

João

O salto parecia tão grande. E na verdade, ninguém deu atenção ao que estava acontecendo. Nem mesmo ele. Sim, ele que vivia aquela história toda. Ele não sabia o que estava acontecendo de fato. Ignorava o que os outros, os amigos, os amigos dos amigos diziam. Não por maldade, mas apenas por ignorar, por não conseguir compreender o que diziam. E assim foi levando adiante sua pobre vida, sua vidinha, como ele chamava. Sem sequer pensar em dar o salto que pudesse levá-lo a algum outro lugar que não seu lugar qualquer.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A paixão assistida por uma janela todos os dias

Deixe! Deixe eu me apaixonar, deixe. Não é pedir demais. Deixa eu ficar contigo enquanto você olha as fotos que tirou ontem. Deixe eu acender seu cigarro, enquanto você se preocupa com a máquina de lavar ligada. Deixa eu encher sua taça de vinho, enquanto você canta uma baladinha italiana pra nós dois. Deixa eu arrumar seus souvenires num canto da mesinha de centro, para que possamos jantar juntos. Deixa eu secar as suas mãos em minha camisa, antes de comermos alguma coisa. E deixe eu correr minhas mãos sobre seus cabelos e entrelaçar meus dedos em seus fios. Deixe eu roçar minha barba na sua. Deixe eu beijar sua barriga te fazendo rir com as cócegas que só eu sei fazer você sentir. Deixa eu encostar meu corpo no seu, devagarinho, como se fosse encaixar uma peça de quebra-cabeça. Deixa eu mirar seu olhar quando me diz que não devo fazer nenhuma dessas coisas, sabendo que farei, mesmo assim. Deixa eu perceber quando devo mudar de lugar de seu corpo quando você quiser sentir minhas mãos em algum outro canto. Deixe eu fechar seus olhos com uma de minhas mãos e te levar pro seu quarto. Deixe eu fechar a porta pra que seu gato não escute nenhuma de nossas sacanagens ditas entre gemidos. Deixa a comida esfriar no prato porque o universo é só nosso.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sobre o amor e o mar

E quando vem o medo e a confusão, o coração bate mais forte que o costumeiro. E a sensação é de perder algo que nunca foi seu. E de estar dando um ponta-pé no mundo inteiro. Mas levando uma ferida amarga sobre a língua, que nem uma palavra sequer pode falar pois está presa embaixo de toneladas de remorso. E de amor e ódio. E de rancor e piedade. E de tesão.

Quando a vontade de sonhar é maior que a realidade que cerca. Quando as imagens aparecem sem foco e sem sentido. Como se vivesse num barato de um alucinógeno. Aos poucos vai acalmando, mas não passa.

Coração batendo, tá fingindo que não tá.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O ósculo

Beije-me. Vamos! Beije-me, agora! Minha boca tem sede de você! Tal como a história da corsa ou da terra seca que necessita de chuva. Então? Beije-me, com todos os beijos de tua boca. É só o que desejo em meio a essa noite fria, nessa capital fria, com almas perambulantes... Frias. Tão esquisitas que suas sombras parecem não ser de seus corpos. Não fuja de um simples pedido. Venha, como um vampiro sugar minha seiva de vida.

Onde estás tu que não percebes meu calor, morfina para tuas dores? Não sente que, ao aproximar-me, ficas arrepiado? Estou perto, cada vez mais perto. Posso sentir tua respiração quente em cima de meus lábios. Desvia um tanto de teu olhar. Abrace quem te espreita de muito perto.

Agora sentes? Fecha teus olhos e quero que possa me sentir tocar teus lábios. É a minha língua umedecendo-os. E agora que minha barba, ainda por fazer, arranha teu rosto, teu pescoço, teu peito e barriga? Deseja-me o suficiente para um beijo? Apenas um beijo, é o que peço. Não quero teu corpo por inteiro, nem tuas mãos me tocando, nem teu sexo. Quero um beijo. Uma única prova de como somos iguais. Isso. Agora mais perto e mais perto e mais perto. Já posso senti-lo tão dentro de mim, com tua língua a roçar a minha. Agora mais ainda.

Posso imaginar que tu me desejas? Não por acreditar que me sentirei melhor. Mas por acreditar que tu te sentirás melhor assim. Pronto. Já percebes que assim me tens nas mãos? E que podes fazer o que quiseres comigo? Era o que gostaria de provar-te. Vamos, solte-me. Deixa que eu siga meu caminho. E se quiseres, chama-me.