terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Tranquilizante

Derramei um punhado dos comprimidos em apenas uma das mãos. Apanhei o copo de água que estava sobre a mesa. Com um em cada mão. Não sabia qual passo dar em seguida. Na verdade, sabia. Tive medo. Medo de sentir dor, medo do inferno. Fiquei pensando nas prováveis lágrimas de minha mãe. Mas será que ela choraria? Claro, mães sempre choram. Pensei. Tomei só o copo d'água.

domingo, 13 de novembro de 2011

miserere nobis

porque eram todos papéis em verdade. não eram nada bons. não eram nada ruins. eram apenas personagens do grande espetáculo armado pelo destino. e deus o dono do palco, brincando com as vidas, dono da festa e da balbúrdia inteira. quando morreu não sabia se queria mesmo a morte, mas deus, sabido que era, matou-o antes mesmo dele o fazer. deus sabe tudo. até da hora de acabar com a história de alguém. esse deus de vocês é um grandissíssimo fanfarrão. um diretor medíocre. um péssimo ator de si mesmo. um bêbado sentado no meio-fio.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Antônia e Alfredo

Antônia sentou na cama. Era a mesma cama há 50 anos. É claro que havia passado por algumas reformas, alguns riscos feitos pelos filhos, netos, afilhados e sobrinhos que passaram por lá. Nada que tivesse destruído a beleza do móvel de madeira de lei. Era mogno, puro mogno. Umas repinturas em verniz e estava boa de novo. Antônia se orgulhava do presente de casamento de sua já ausente madrinha.

Lembrou nesse instante em que sentava na cama de todas as histórias já passadas naquele quarto. Seus filhos brincando, suas netas escondendo-se do avô debaixo da cama, a empregada que volta e meia tropeçava numa tábua de madeira solta do chão. E riu. Riu da cara de raiva que a empregada sempre fazia resmungando e ameaçando retirar a tábua para nunca mais bater o pé. Ela nunca tirara. E a tábua continuava ali, onde sempre estivera. Agora não fazia mais ninguém tropeçar. Todos já tinham aprendido que não deviam andar por ali ou que deveriam ter cuidado ao passar por ela.

Lembrou-se de outra coisa. Na verdade, se deu conta de como a cama estava fria. No inverno era a única coisa que odiava, ter que deitar na cama fria. Desde que Alfredo morrera, ninguém nunca mais esquentara a cama com ferro de passar antes dela deitar. Para Antônia. era assim que Alfredo provava seu amor por ela, mesmo tantos anos depois de casados. E Antônia se sentiu afagada por sua lembrança. Mas Alfredo não estava mais com ela.

Há sete anos dormia sonhando em acordar do lado de seu amado. Há sete anos nutria a esperança dele buscá-la. Sempre antes de dormir colocava seu vestido azul e o broche que usara no dia de seu casamento. Era como um ritual, um novo sim que dizia a cada noite. Fazia suas preces e incluía nela sempre a memória do marido. Deitava do lado direito da cama e nunca ultrapassava o limite imaginário que existia nesta, que guardava o lado esquerdo para Alfredo. Ainda colocava um punhado do perfume do marido no travesseiro do lado. Toda noite se preparava para recebê-lo.

Na manhã seguinte, Antônia terá realizado seu sonho. Já estará arrumada, pronta para o encontro. E estará tão feliz por isso que as lágrimas dos outros derramadas por sua ida serão em vão. A alegria do reencontro será muito maior que a perda e a saudade que ficarão. Enfim Deus unirá de novo o que por teimosia separou e Antônia e Alfredo poderão viver seus felizes para sempre.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Insônia

Era madrugada de terça-feira e Marcelo não conseguia dormir. Trabalharia, no dia seguinte, com os olhos vermelhos. Era um conjunto de emoções que nunca tinha experimentado. Putz! Em pensar que Marcelo era só um jovem apaixonado. Não sabia que a paixão doía tanto. Todas as vezes que dissera-se apaixonado, mentira para si e para todas as que escutavam. Mas dessa vez era diferente. Estranhamente diferente.

Insônia era uma realidade nova, medo de perder também. As lágrimas de saudade também. E que droga estava fazendo que não tinha ligado ainda. Mas era alta noite. Não devia ligar para ninguém uma hora dessas. Deitou na cama e olhava para o teto, como contemplasse o universo inteiro. Daí então, pode sorrir. Gargalhou, na verdade. E só uma cena lhe vinha à mente. Um beijo inesperadamente recebido, um susto, um olhar encabulado e uma fuga desajeitada.

Marcelo queria entender. Era jovem, mas não a ponto de não ter tido experiências de amor. Sentia como se fosse explodir. E tinha no peito um ardor. Queimava como nunca antes sentira. Parecia que ia morrer. Pensou que não deveria estar se sentindo assim. E quanto mais pensava, mais doía. E mais sentia. E mais gostava de sentir. Desistiu de lutar contra.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Ana

A chuva fina caía sobre ela, enquanto caminhava pelo largo corredor de árvores centenárias. Não sabia o que estava fazendo ali. Se sentia perdida, mas ao mesmo tempo, era como se pudesse ser feliz. Ana olhou para cima e viu as folhas balançarem no alto, os fios da rede elétrica pingando gotas de água. Começou a sorrir. Na verdade, gargalhava. Era uma felicidade que não sabia de onde vinha. Uma felicidade que nunca mais tinha sentido. E os pingos da chuva foram ficando mais fortes. E confundiram-se com suas lágrimas. E era uma alegria tamanha. Era loucura. Ela gritou. Gritou como se nunca tivesse dito uma palavra sequer. Como se o mundo inteiro a pudesse escutar. Mas ninguém a ouvia. E o que importa nisso tudo? Para Ana, era só saber ser feliz enquanto podia. Logo o sol sairia novamente, a chuva e a alegria iriam embora. Os sorrisos lhe fugiriam à face, como a água escorreria pelos esgotos e secaria no asfalto. Aproveitou os últimos instantes que sabia ser feliz e viveu a melhor de todas as experiências.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Por Todo Ontem

Olhando para o rosto no espelho, a barba por fazer, o sorriso amarelo e sem graça. Ele era um menino na alma. Não sabia se comportar diante de tantas mudanças. Lavou o rosto e voltou a olhar o espelho. É, era capaz de se reconhecer. Mas não sabia ao certo o quanto queria ser daquele jeito. De qualquer forma, ele era capaz de ver no espelho um rosto com o qual ele conseguia se sentir agradável.

Mas por fora de seu banheiro, nada era como ele queria. Ele, decerto, tinha sonhos, mas nenhum deles era tão próximo quanto desejava que fosse. Era apaixonado, mas não sabia como externar esse sentimento. Tudo em sua realidade era tão distante. Ele era jovem, mas não era assim que se sentia. Ele era um rapaz bonito, mas não fazia sucesso algum com as garotas. Ele não se importava com isso. Sucesso com garotas era o que ele menos queria fazer. Nem com garotos, antes que concluam que era gay. Assim, pregava sua liberdade de beijar qualquer um que quisesse beijar.

Ele se sentia mesmo um viajante. Não se achava em casa, mesmo morando naquele endereço desde que nascera. Seus pais, já mortos e sua irmã, um ano mais velha que ele, nunca fizeram questão de sair de lá. Ele não, sempre sonhou como seria o mundo longe da rua estreita e arborizada onde morava. Sempre pensou que seria um lugar bonito lá fora. Lá longe, onde não pudesse lembrar de como as folhas caídas do outono tremilicavam quando os carros silenciosos dos ricos vizinhos passavam por cima delas. Ou ainda onde não precisaria ver o ônibus escolar passar toda manhã carregando as crianças para o colégio. O mesmo motorista que um dia também o levou.

Saiu do quarto, olhou ao redor, as roupas de seu affair jogadas pelo chão. Achou graça daquilo tudo. Arrumou as roupas num canto da cama, olhou pra ele e pensou que se fosse outra pessoa qualquer, estaria sentindo a mesma coisa. Nada. Não sentia nada.

Decidiu, ali, que passaria um tempo fora daquela cidade, morando num lugar qualquer longe de todas as coisas que aprendera a odiar com o tempo. Começou, então, a fazer as malas.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Tarde de Outubro

Amadeu estava correndo atrás de seu passado. Escreveu uns números num pedaço de papel. Não era nada importante. Não com essa importância pensada por todos os normais. Eram só números. Sentou na poltrona que um dia fora de seu avô, já reformada por três vezes, acendeu um cigarro, pegou a xícara que estava na mesa ao lado e tomou um gole de café.

Sentiu saudades, de repente, de um sentimento do passado. Amadeu não era tão velho assim, portanto seus sentimentos não eram tão velhos também. Mas ele sentia uma falta repentina de algo que não sabia o quê. Sentiu-se vazio. Sentiu-se desnecessário. Sentiu que ainda precisava sentir esse algo de novo. Essa sensação boa de pertencimento. Era assim que Amadeu estava se sentindo hoje. E ele preferiu não sair de casa.

Amadeu não era cristão ou religioso. Na verdade tinha até um pouco de asco da religiosidade alheia. Não era comunista, nem liberal. Fazia suas compras, pagava seus impostos, contratava serviços, como qualquer ser humano. Até se deu ao luxo, certa feita, de pagar uma dessas mulheres da internet. Não era de Deus que ele sentia falta. Talvez fosse maior que Deus, o que procurava. E era mesmo. Ele só não sabia o que era.

Mas Amadeu sabia que não podia encontrar isso em lugar algum. Ao menos era a experiência que ele tinha. Sentado, no seu segundo cigarro, com sua terceira caneca de café, lembrava-se de todos os espaços que já tinha frequentado na vida: entre eles a igreja, não mentia pra si mesmo.

Por um momento, lembrou dos sonhos de sua mãe para a sua vida. Faculdade, esposa, filhos. Não, ele nunca quis isso. Sempre sonhou pra si mesmo uma viagem pela Ásia, fotografias na Austrália, um café num bistrô em Paris. Não realizou nenhuma. Mas ainda sonhava. E não. Não era disso que sentia falta.

Hoje era um dia atípico. Ele não era assim todos os dias. E na verdade nem se dava tanto a esses luxos. Acendeu mais um cigarro, dessa vez um baseado. Quando se sentia assim, perdido no mundo e desencontrado, fumava um pouco. Mas não pra se sentir melhor, pra poder fazer a situação se agravar e tentar no caos, buscar a solução para as suas faltas.

Chegou a uma conclusão importante: não era o único a se sentir assim. Mas isso não o fazia se sentir melhor, ainda. Não fazia mais ideia do que sentia. Mas já não estava mais tão abatido quanto tinha acordado. Abriu os olhos e viu que tinha ficado horas pensando em si. Levantou da poltrona que um dia fora de seu avô, reformada por três vezes e saiu da sala catando pontas de cigarro e levando a caneca para a pia. Lavou a caneca. E a água que escorria pela torneira era só a água que escorria pela torneira, nada além disso.

sábado, 4 de junho de 2011

Voualiescreverem140caracteresejávolto140minutosmaistarde

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O Boteco: Helena Candy

Saiu do banheiro, ainda pingando. Enxugou o corpo andando pelo quarto. Estava atrasado. Não sabia porque tinha dormido tanto. Mas agora que estava acordado, precisava correr contra o relógio. Alberto abriu o guarda-roupa, não o da direita. Essa noite era o dia de abrir o guarda-roupa da esquerda. E ele adorava. Escolheu o vermelho com lantejoulas. Ele sempre arrasava vestido daquele jeito. Depois de vestido, sentou numa penteadeira que herdara de sua avó. Uma penteadeira dessas de camarim! Sua avó era uma atriz. Não era nenhuma estrela, mas muito boa atriz. E isso fazia ele se sentir muito agraciado!

Sentado na penteadeira, tomou o estojo de maquiagem, algumas coisas estavam acabando, mas ele não precisaria delas essa noite. Começou a se maquiar e depois de algum tempo, quem olhasse para ele não reconheceria mais o Alberto. Na verdade ele não era mais Alberto naquela hora. Agora de chamava Helena Candy! Mas faltava ainda algo pra que Helena fosse, de verdade, ela!

Tomou uma peruca ruiva, corte Channel, colocou na cabeça e se olhou no espelho. Deu uns últimos toques na maquiagem e saiu. Diva em si mesma, não precisava da aprovação de ninguém pra ser.

E quando todos estavam desatentos subiu no palco cantando: "Babaluuuuuuuuu"!!!

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Bastian Baltasar Bux

Escrevendo num papel de pão algo que sentia há algum tempo no coração. Sofreu muito antes de escrever. Mesmo porque não sabia se queria de verdade escrever aquilo. Era uma poesia. Uma moça, um moço, um monte de sonhos. Soube, sete minutos após começar, que não sentia mais nada daquilo que escrevia. Mas ele não se importava em mentir pra quem o lesse. Era isso! Ele não era um escritor. Ele é um mentiroso.

No final, assinou um outro nome que não o seu. Assinou com o nome de alguém que nem conhecia. Sei lá! Talvez nem se conhecesse o suficiente. 

E deixou o escrito jogado no primeiro banco de praça que viu. Provocaria os olhares e corações curiosos por ali.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Do Rapaz Mentiroso (ou Abortado)

Ele falou primeiro em esperar a maré baixar. Mas depois pensou melhor e falou em deixar as coisas acontecerem. Ele ainda falou, e eu me lembro, que não acreditava em ninguém. Mas ele mentiu diversas vezes, e o pior, mentiu pra todo mundo. E ninguém na sua cidade sabia de fato quem ele era. E com os olhos cheios de água, saiu a despedir-se de um e outro na cidade como se nunca mais ele fosse voltar. Encontrou a dona dos seus sonhos velhos. Jogou nela os novos sonhos. Pôs um tanto de rancor  e rispidez na voz e se deixou abandonar pelo texto decorado desde outrora.

A madame, então, chorou muito, como era de se esperar, como estava no script. E todos da cidade ficaram impressionados e não sabiam o porque daquilo estar acontecendo.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Céu

Abriu um sorriso que
guardara por tanto tempo
Colocou em cima da cama as fotografias velhas
E ria como nunca mais rira


As estrelas presas no seu céu brilhavam como numa
Noite de baile
Como se casais estivessem se apaixonando naquele
Exato momento

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A Apaixonada

Se animou e tomou a caneta e um papel cartão vermelho. Enquanto no rádio tocava uma música francesa que ela sempre ouvia quando seu pai ainda era vivo, ela acendia um cigarro e bebia pequenos goles de um vinho que há muito queria abrir. Sozinha na sala de casa. Suas personagens estavam todas dormindo. Ela não podia mais escutar suas vozes em sua cabeça.

Escreveu uma carta apaixonada à mulher de sua vida. A mulher que prometera nunca mais amar. A mulher que estava em sua cabeça há anos. Como um passe de mágica, ouviu a voz de Paulo Henrique. E como não pudesse ser vista com esta carta de amor proibida, escondeu-a embaixo da almofada do sofá.

Paulo Henrique saudou sua esposa com um beijo. Ela correspondeu fisicamente. Em sua cabeça não era ele que a beijava.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O Boteco: A Cena

Estava com um vestido lindo. Era novo. Acabara de comprar numa dessas lojas de gente rica. Tinha comprado especialmente para aquela ocasião. Então, tinha entrado naquele boteco pra saber como era e tinha adorado. Prometeu que voltaria tão logo quanto achasse um bom motivo para beber. Acendeu um cigarro. Ela aceditava parecer uma dessas damas de revista chique ou da novela da televisão. Era loucura, ela sabia. Mas queria uma vez apenas se sentir como se sentem essas mulheres.

Pediu uma mesa pra dois ao garçom. Não teria um encontro. Não era do tipo de mulher que tem encontros. Apenas não tinham mesas pra uma pessoa neste lugar e o balcão não era lugar para uma dama como ela.

Sentou, com seu cigarro ainda incensando o ambiente, pediu gin e tônica e bebeu devagar, como degustasse um bom vinho.

Pensava em algo vivido no passado, como a morte de sua mãe, ou a despedida de seu pai no dia de sua mudança para a capital. Pensava em algo triste para fazer as lágrimas descerem seu rosto. E elas desceram.

E a maquiagem, com tanto trabalho colocada, escorria pela sua face, como a chuva lavando a areia de uma colina. E borrada, a maquiagem tornava mais trágica aquela cena. Uma mulher. Uma dama.

Estava como ela queria. A cena estava completa. Não precisou ter um amor perdido, um animal de estimação morto ou um grande desespero. Só queria saber como era ser a mulher estranha de maquiagem suja e com cigarro na mão, para quem todos olhavam naquele ambiente.

Como se nada tivesse acontecido, pediu a conta. Ainda em lágrimas, pagou ao garçom, levantou-se e saiu. Saiu sem olhar para trás, sem limpar o rosto e sem apagar o cigarro