sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Amarga noite

Estou sentado diante de sua fotografia feita no reveillon de 2016. Eu gostava da cor rosa desbotada de seu cabelo. Até hoje não consigo entender o porquê de sua decisão em tingir tudo novamente de preto. Não me entenda mal, eu gosto de você assim, também, acredite. Mas é que essa noite, olhando as nossas fotos antigas eu senti saudade. 

Mentira, corri para ver suas fotos pois precisava derramar algumas lágrimas. E sinto que só assim eu conseguiria. Você é a única pessoa que consegue me fazer derramar umas lágrimas sem que eu nem pense o motivo.

Ainda bem que peguei essas fotos. Pelo menos me fizeram tomar coragem e voltar a escrever, mesmo que essa porcaria.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Como vão as coisas, menino?

Eu me chamo Carlos, trabalho em um escritório de publicidade. Sou designer. Vim morar aqui no Rio de Janeiro depois que me formei na Bahia. Sou pernambucano. Muitos aqui me chamam Baiano. Eu ainda não sei se porque estudei lá ou se porque eles acham que depois que passou Minas Gerais é tudo Bahia. Ou se são um pouco burros pra perceber que isso é um pouco preconceituoso.

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Que delícia acabar todo o trabalho e poder chegar em casa mais cedo. E voltar andando, cara, melhor ainda. Ainda dá tempo de pegar o Jardim Botânico aberto. Não. Talvez eu possa dar uma volta pela Lagoa, tomar uma água de coco, comer um churros. É isso, vou andando, ouvindo uma musiquinha, o disco de Gal... Que saudade de casa. Quando chegar em casa vou ligar pra mainha. Não falo com ela há dias.

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Faz tanto tempo que eu moro aqui. Uma pena que não consiga frequentar tanto esses lados da cidade. A Lagoa fica linda no fim da tarde. Um cigarro e uma música são a combinação perfeita pra essa vista. Deveria fazer isso mais vezes.

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Perco tempo procurando nas músicas mais novas algo que me fale das coisas da vida, do dia-a-dia. Sei lá, já faz muito tempo que nenhum desses compositores fala nas músicas das coisas cotidianas, do que acontece na vida da gente. Às vezes a gente só quer ouvir alguém dizendo que tem uma vida igual à nossa. É pedir demais? Aí eu perco meu tempo em casa, escrevendo besteiras no caderno. Contando casos desde o Baixo Gávea até o Baixo Botafogo. Isso poderia virar um livro. Será que alguém leria? Não ia passar de mais um. Quem leria uma besteira dessa, Carlos? Tá na hora de voltar...

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Nota mental: me lembrar de passar na mercearia de seu Joaquim... Engraçado que, toda vez que passo por aqui ele me pergunta como vão as coisas. “Como vão as coisas, menino?” Parece minha vó falando. Ele é um porto seguro pra mim. Também nordestino, mas veio aqui pro Rio muito jovem pra trabalhar com o pai. Abriram essa mercearia, que até hoje é dele. Dá pra comprar farinha boa e umas coisas de Nordeste que eu nunca encontraria aqui em Botafogo. “Como vão as coisas?” Demorei de responder, dessa vez.

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Fiquei um tempo calado apenas olhando para as broas de milho, que eram deliciosas. “Meu namorado voltou pra Bahia, seu Joaquim. Ficou quase louco e arranjou um emprego. Tá trabalhando em um jornal de lá. Meu melhor amigo, que mora lá em casa também, foi atropelado. Caso comum de trânsito. Tava voltando pra casa.” A cara dele não era das melhores. Eu percebia que ele nem sequer sabia o que falar. Mas era isso...

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“Vim andando da Lagoa até aqui.” “É longe, menino!” “Eu sei, vim pensando na vida, descarregando os meus dias, a semana, o peso de todas as coisas.” “Pensando no livro, né? Já disse que aceito te dar entrevista para esse tal livro do Botafogo.” “Seu Joaquim, o livro não é sobre o time, é sobre as pessoas do bairro. Eu não acho que as pessoas achariam interessante esse monte de besteira que eu penso.” “Deixa as pessoas decidirem, menino.” Às vezes não tem lugar pros meninos, pensei.

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Uma broa de milho. Um café. Outra broa. Um cigarro. Olhar distante. Saudade de casa. A Bahia está longe. “Eu estou longe, seu Joaquim.”

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“Oh, menino, cadê aquele poeta moreno e latino que escreveu o amor? Hein, cadê?” “Ninguém sabe dele.” “Viajou, foi?” “Não... Desapareceu.” Silêncio. Silêncio. Silêncios.

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Despedi-me, acendi mais um cigarro, minhas broas num saco. A farinha em outro. A carne de sol em outro. Voltei andando para casa. Não pra minha casa, mas pra casa que estava sendo minha. Volta, menino.

*Texto inspirado livremente na música Caso Comum de Trânsito, de Belchior

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Vésperas

Sempre que ele se senta à minha direita, olha para mim e sorri eu lembro de como foi o nosso primeiro encontro. Não foi a primeira troca de olhares, não foram as primeiras palavras trocadas, não foi a primeira vez que nos vimos vivos e nos mexendo. Mas foi o primeiro registro de minha vontade de que aquela noite demorasse a passar. 

E vocês precisam ver meu coração acelerando quando marcamos de nos encontrar e eu o vejo andando em minha direção. Ele tem um sorriso tão bonito que eu não consigo ficar sem sorrir também. E parece sempre que é algo por descobrir. Como se nosso encontro fosse sempre o primeiro.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Sala de Estar

Luiz Alberto entrou no apartamento. Estava vazio há meses. Era como ele sentia. Desde o fim de seu namoro não pisara lá. “Ele passou aqui depois de minha viagem”, pensou enquanto colocava a mala no chão. Olhou para todos os lados da sala. Não estava necessariamente vazia. Ainda tinha algumas coisas ali dentro. Um sofá, a TV, a luminária de chão. Os DVDs. Só dramas. As comédias tinham sido levadas. Alberto riu-se um pouco. “Deve estar rindo agora também.” Fechou a porta, continuou olhando a sala, deu a volta por trás do sofá, abriu a janela, voltou e sentou. Ligou a TV. Num desses programas de fofoca algo sobre um casal de famosos que acabaram de terminar um casamento de 23 anos. “Muito tempo.” Uma brisa correu a sala. Um vento. Derrubou um porta-retratos de cima da estante. Não havia foto alguma. Olhou o espaço vazio como contemplara a televisão. Mais do que contemplara a televisão. “Tempo o suficiente.” Desligou a TV, tomou a mala na mão, saiu para o quarto cantarolando.

domingo, 25 de dezembro de 2016

cartinha para noel (ou um conto de natal ou seja meu daddy, noel)

querido papai noel

esse ano, hein? foi um ano daqueles... eu sei que me comportei bem. juro! não lembro de ter feito nada de mais, assim. tirando aquela vez que cuspi na cara de vanessa no meio da sala. mas aí ela também pediu, né? ninguém mandou me chamar de bichinha na frente de todo mundo do trabalho. tudo isso por pura birra, só porque transei com o namorado dela. mas não foi culpa minha, papai.

nossa, nunca tinha pensado como isso é sexy, pensa que em inglês seu nome não é daddy claus, seria um tesão te chamar de daddy, enquanto sento em seu colo. mas voltando...

a culpa de eu ter transado com guto foi toda dele. tudo bem que eu deixei ele beber um pouco mais e fiquei falando aquelas putarias. mas eu sempre falo, cê me conhece. bom, e ele não precisava ter colocado o pau pra fora só pra me mostrar como tava. daddy, de onde eu venho, isso é sinal pra "quero uma mamada, faça". e foi o que eu fiz. foi bom, papi? foi ótimo. e ele gostou? ele adorou! tanto que da segunda vez ele estava sóbrio. e foi ele quem insistiu, inclusive, pra me comer. eu não queria, mas dei, só porque sou um cara legal (o que reforça a ideia de meu bom comportamento esse ano) e não sei dizer não. ainda mais pra um homão daqueles... se você curtisse homens, saberia o que eu estou dizendo.

eu nunca quis que aquele namoro terminasse. e você sabe que não foi querendo que mandei aquela minha foto mamando o guto pra vanessa. foi total culpa da tecnologia. uma merda. e também, aquela piranha tinha que reconhecer a piroca do cara assim tão fácil? desculpa, ela não é piranha [cortar isso na versão final].

poxa, daddy claus, posso te chamar assim? queria me defender também naquela história do professor. essa eu não tive um porcento de culpa. você deve saber. se a esposa dele descobriu as mensagens no celular dele e se separou, a culpa é minha? eu nem respondia nada pra ele. todas as vezes que ele deu em cima de mim eu disse que não. eu juro. só daquela vez que eu dei a entender que um dia poderia ficar com ele, mas era só pra conseguir a nota na disciplina dele. eu nunca faria nada. odeio pegar homem casado. com filho, pior ainda. (viu que eu sou um bom rapaz? eu penso nas famílias).

tudo bem, não penso tanto na minha. eu sei, daddy. mas é que meu irmão é um escroto, né? traindo minha cunhada com a irmã dela. era muito errado. eu tinha que contar. mas como eu ia saber que minha cunhada tinha problemas cardíacos. ela parecia tão saudável. mas graças a deus está tudo bem. e aquela tonta ainda voltou pra ele, sabia? burra, nem tem como defender.

bom, daddy, nesse natal, eu queria que o senhor me trouxesse um grande amor. estou cansado de ser biscate e pegar o porteiro de meu prédio. tenho pena da esposa dele quando a encontro. seria legal ter alguém pra mim.

pode ser você, mas só se você largar a mamãe noele.

te amo, beijos.

p.s.: essa parte de ser você era brincadeira, não quero ser responsável por mais esse fim de relacionamento.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

De volta para o futuro

Se você pudesse se ver daqui a dez anos, teria coragem de ir até lá? Ou iria preferir esperar esse tempo passar para saber aonde suas escolhas te levariam? 

"Como ter boa notícias em tempos como esse?" - me pergunto.

Meia-noite, dizem ser a hora de Exu, deus africano da comunicação. Que ele saiba nos guiar para um futuro sem desentendimentos. Tá aí, deve ser isso. Não estão fazendo oferendas suficientes para ele. 

Que os deuses e as deusas nos protejam.

Queria só garantir um futuro bonito. Mas só tentando...

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

miríade de sonhos

tem que sonhar, menino. minha vó me disse isso tantas vezes. eu nunca acreditava muito. colocando minha fé nas minhas certezas. todas inúteis e completamente fluidas.

como sonhar, minha avó?

sonhar como ela sonhava.

ela sempre desejou uma cama de madeira com um colchão que não fosse de palha. aos 76, conseguiu. um sonho a menos. ela quis a vida inteira uma casa própria. grande foi a surpresa quando conseguiu a papelada da casa onde morava.

sonhar. é isso.

mas só sonha quem dorme? posso sonhar acordado?

mais uma vez, a resposta veio dela, que só sonhava acordada. e tinha medo de dormir e dormir.

não só é possível como é a única forma. o sono se alimenta de sonhos.