quarta-feira, 18 de junho de 2014

Estaremos de pé

Por Cristo, jurou que não mais se atreveria a olhar as mensagens no celular. E prometeu que seria a última vez. Ia apagando uma por uma e, como se cada uma fosse um pedaço seu que se ia, derramava lágrimas mudas. Até não haver mais uma palavra sequer que pudesse trazer à lembrança todos os dias tão azuis. E não aconteceu como desejou.

Não pôde conter o desespero que teve ao se dar conta que até as lembranças boas não existiam mais. Ao que recorreria quando quisesse lembrar o cheiro de pós-barba que sentia toda manhã ao levantar da cama e beijar o pescoço de Ricardo? O que faria se sentisse vontade de tomar o café com menta de Ricardo, que só ele parecia saber fazer?

As lágrimas agora vinham acompanhadas de pequenos soluços e uma feição de tristeza profunda. Correu para o armário, na esperança de encontrar algum casaco dele guardado. Mas lembrou no mesmo momento que já havia enviado todas as roupas junto com as cartas e as lembrancinhas da viagem que fizeram juntos à Bolívia. Definitivamente não queria lembrar que ele existia. Mas adoraria encontrar de novo a toalha sempre molhada em cima da cama.

Agora os soluços, antes finos, se tornavam mais graves e seus olhos não podiam mais sustentar qualquer lágrima que lhe chegasse. Calou. Deitou na cama e ocupou apenas o lado que costumava ser seu, enquanto imaginava que Ricardo, a qualquer momento, atravessaria a porta, jogaria o palitó numa poltrona à esquerda da cama e deitaria por cima dele dizendo que estava morrendo de saudades.

Então, sairiam abraçados e tomariam chá juntos. Ricardo acenderia um cigarro e ficaria olhando os carros pela janela. Ele encostaria e fariam planos para o futuro. Não mais fariam. Era hora de abrir os olhos. Assim Gil fez.

Enxugou as lágrimas com a fronha do travesseiro, foi ao álbum de fotografias, tomou nas mãos uma tesoura e voltou a destruir as lembranças. Não podia esperar mais nada de Ricardo. Sua vida já estava plena ao lado de outro alguém.

E ele precisava recomeçar também.

Chá com sequilhos (ou Penúltima Carta de Amor)

Sinto que esses dias são dias bons para sair de casa e ver como a vida vai dar conta das coisas que você sempre duvidou que fossem dar certo.

Tudo porque as coisas tem dado certo sem que eu questione ou peça a deus. O mais legal é agradecer.

Uma pena que você não esteja por perto para ver que eu estou sorrindo novamente.

Manda um beijo para sua mãe e diz que um dia passo por aí para tomar aquele chá com sequilhos.

Beijos, 
David Luiz

P.S.: Ontem eu saí com um cara que conheci na festa de um colega do trabalho. Acho que vamos nos ver novamente no fim de semana. Achei que você devia saber. Desculpe se exagerei na informação

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Não há mais estrada (ou Não tenho certeza se é sonho ou realidade)

Acordei lembrando daquela viagem. A última que fizemos juntos, antes do acidente de moto. Tava lembrando da gente quase deitado naquelas poltronas reclináveis do ônibus. Lembra que pegamos o primeiro que encontramos na rodoviária sem sequer saber aonde ele ia? E eu, rezando por dentro pra que a viagem demorasse tempo suficiente pra eu cansar de ficar de teu lado. A gente viajou durante três dias e eu queria mais.

Mas que loucura, aquilo! Será que a gente teria a mesma coragem, hoje em dia? Nunca vou me esquecer de nossas risadas no meio da madrugada tapando a boca um do outro, pra não acordar ninguém. Ou de nosso sexo, que foi quase um contorcionismo, na tentativa de não fazer as pessoas perceberem nada. E aquele tiozinho da poltrona do lado ainda acordou...

Acho que foi a viagem mais longa que já fiz. Mas os três dias pareceram minutos, quase segundos... Eu faria tudo novamente. Até as mesmas fotografias. Pois é, eu que reclamava a cada foto que você queria fazer, eu faria todas de novo e de novo e de novo. Só pra ter você por perto. Seu cheiro de perfume vagabundo comprado na beira da estrada porque esqueceu o desodorante em casa. Nossa, que coisa horrenda era aquilo.

Mas veja no que me  tornei. Um saudosista notívago. Quase um vampiro, sugando o pouco de felicidade que ainda resta das pessoas ao redor. Na verdade, estou no meio de uma festa sem graça, nesse exato momento. Com muita pouca paciência pro João Alfredo, o Augusto e o George, que passaram a noite inteira cheirando. Sem saco algum pra aturar as risadas altas e desnecessárias de Mirela e os baseados que ela fumou. Acho que estou um pouco bêbado e só queria ficar no meu canto, com as cabras.

Colocaram o Transa pra tocar e tá na faixa 4. A sua música preferida. Eu vou vomitar a batata frita que comi no jantar. Mentira. A quem eu quero enganar. Todo mundo aqui sabe que eu me tranquei no banheiro pra chorar. Eu ainda não aprendi a lidar com sua falta. E não consigo passar por aquela curva. Era pra eu estar sem capacete. Me arrependo tanto de ter te permitido me convencer a usar, enquanto o experiente e destemido você viajava sem. Eu devia ter evitado.

Estão batendo na porta do banheiro, devem estar com medo que eu me mate. Por mais que minha vontade seja estar contigo nesse momento, eu não sou tão corajoso assim. Mesmo que os remédios de Sara estejam no armário e a tentação seja uma forte aliada do álcool...

Eu preciso saber viver sem você. Não sei ainda quando vou conseguir.