segunda-feira, 17 de novembro de 2014

para meu amigo pablo

lembro de você escrevendo durante a madrugada. aqueles textos com cara de seu. eram meus preferidos. quando quero sorrir, fecho os olhos e me coloco a pensar em você, sentado à mesa com seu laptop. a tevê ligada, mas nem eu nem você prestávamos atenção. enquanto eu via um pornô, você escrevia sem parar, sem olhar para o lado, alternando as frases com as conversas de sua namorada. e eu, depois de um baseado, só ria de sua cara compenetrada tentando assistir a aquele desenho do cachorro amarelo. eu procurando o que comer na geladeira cheia de água mineral, comida pronta, verduras cruas e um pote de maionese. e você rindo de mim, paloso como nunca, achando incrível que seu primo tinha chegado lá em casa depois das duas da manhã, bêbado e desempregado. velho, durou apenas três meses. mas parece que éramos irmãos de vidas passadas. sumimos aos poucos, como naquela fotografia do filme de volta para o futuro. e no dia 31 de agosto eu também arrumei as minhas malas. já não éramos mais seis.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Depois daquela noite no teatro ( ou Antes de você decidir enviar a carta)

Depois de nos encontrarmos uma, duas, três, quatrocentos e setenta e nove vezes, me dei conta de que não sentia mais por você a mesma coisa que senti da primeira vez que vi seus olhos brilharem para mim.

É como se eu soubesse que seu corpo, que já passou pelo meu muito mais que quinhentas e noventa e duas vezes, não me dá o mesmo tesão.

Acho que a culpa foi sua, pois depois que te beijei, você virou para mim e disse que não poderíamos ficar juntos, porque você tinha outra pessoa. Mesmo estando essa outra pessoa agora a mais de oito mil e cinquenta e cinco quilômetros de distância, espero que vocês passem bem.

E espero que estejam sofrendo de saudade. Ou de desamor.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

madrugada

estamos deitados e essa cama me parece pequena demais para nós dois. levanto no meio da madrugada com calor. a energia tinha acabado na rua inteira. até no quarteirão das flores.

levanto da cama ainda sem roupa. meus óculos estão no criado mudo amarelo. um que comprei de um amigo, quando da mudança dele para brasília.

olho pela janela e começo a lembrar de todas as minhas paixões. uma a uma, elas vêm como se eu nunca as tivesse esquecido. uma a uma.

são meninas, mulheres, rapazes. todas avassaladoras, como precisam ser as paixões. avassaladoras e sem cura.

acendo um cigarro, enquanto olho para você deitado na cama. é um sonho. um sonho meu estar te olhando sem roupa, tão perto, depois de desejar presenciar essa cena por tanto tempo.

a fumaça do cigarro embaça a cena e me faz levar você para o tempo em que era apenas um desejo. eu prometia nunca me render a ele, já que você era um rapaz sério, noivo, quase casado.

morria sempre que seu sorriso encontrava meus olhos e o seu perfume... e o seu perfume invadia meu corpo como um relaxante, um desses que a gente inala para poder ficar bem.

morria de tesão, mesmo, toda vez que você fazia questão de me abraçar e de me contar segredos que nem existiam, ao pé do ouvido, sussurrando. provocando meus mais sujos e excitantes pensamentos.

mas hoje, ao olhar você na cama, a sensação de dever cumprido e de caça abatida me toca. é como se seu corpo ali fosse a cabeça de um alce na parede. é meu. é meu?

não é meu, eu sei. ainda é de outra pessoa que, dessa vez, eu ignorei completamente.

acabo o cigarro, vou à sala tomar um gole de água. a energia volta. tomo também um dedo de uísque. ligo o ar condicionado, tomo um cobertor.

beijo sua bunda suas costas, seu pescoço, sua boca, te cubro e volto a deitar.

fecho o olho e mentalizo um mantra: "não é meu". é mais fácil pegar no sono assim. é mais fácil não me apegar a você assim.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Carta de Paulo a Tiago

Oi, Tiago,

Nossa! Hoje, depois que cheguei do trabalho, depois que passei no mercado, depois que dei comida pra Lica, depois disso tudo, lembrei que fazem seis meses desde que você se foi. Ou melhor, que eu me fui.

Aquele dia ainda está em minha cabeça como se tivesse acontecido ontem. Palavra por palavra que trocamos, seu rosto encharcado. O meu também. Nossas lágrimas molhando o chão. Pior dia da minha vida.

Em segundo lugar vem o dia em que descobri sua traição.

Eu realmente achei que ficaríamos juntos para sempre. Até prometi nem levar adiante esse seu deslize. Afinal, acontece sempre com os melhores casais. O nosso não seria isento.

Ainda ontem conversava com uma amiga, Clara, você deve lembrar dela. Ela me perguntou se existia chance de voltar a ficarmos juntos. "O mundo ainda está desequilibrado, você não sente essa energia ?", me perguntava, como se todos os males do mundo fossem por culpa do fim de nosso namoro.

Não, não há como voltarmos. Nem que eu queira. Nossas almas, de tão livres que ficaram, tomaram rumos diferentes. Te encontro e nem te reconheço, às vezes. É pior que isso. Reconheço um não que nunca desejei que fôssemos. E procuro o sim que se esconde atrás de seus olhos, mesmo esquecendo que os meus olhos estão fechados.

Vou mandar a conta do veterinário, como você pediu, apesar de achar que não precisa. Manda um beijo para sua mãe.

Com amor carinho,

Paulo

P.S.: Espero não ter mais que recorrer a cartas para falar qualquer profundidade.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Estaremos de pé

Por Cristo, jurou que não mais se atreveria a olhar as mensagens no celular. E prometeu que seria a última vez. Ia apagando uma por uma e, como se cada uma fosse um pedaço seu que se ia, derramava lágrimas mudas. Até não haver mais uma palavra sequer que pudesse trazer à lembrança todos os dias tão azuis. E não aconteceu como desejou.

Não pôde conter o desespero que teve ao se dar conta que até as lembranças boas não existiam mais. Ao que recorreria quando quisesse lembrar o cheiro de pós-barba que sentia toda manhã ao levantar da cama e beijar o pescoço de Ricardo? O que faria se sentisse vontade de tomar o café com menta de Ricardo, que só ele parecia saber fazer?

As lágrimas agora vinham acompanhadas de pequenos soluços e uma feição de tristeza profunda. Correu para o armário, na esperança de encontrar algum casaco dele guardado. Mas lembrou no mesmo momento que já havia enviado todas as roupas junto com as cartas e as lembrancinhas da viagem que fizeram juntos à Bolívia. Definitivamente não queria lembrar que ele existia. Mas adoraria encontrar de novo a toalha sempre molhada em cima da cama.

Agora os soluços, antes finos, se tornavam mais graves e seus olhos não podiam mais sustentar qualquer lágrima que lhe chegasse. Calou. Deitou na cama e ocupou apenas o lado que costumava ser seu, enquanto imaginava que Ricardo, a qualquer momento, atravessaria a porta, jogaria o palitó numa poltrona à esquerda da cama e deitaria por cima dele dizendo que estava morrendo de saudades.

Então, sairiam abraçados e tomariam chá juntos. Ricardo acenderia um cigarro e ficaria olhando os carros pela janela. Ele encostaria e fariam planos para o futuro. Não mais fariam. Era hora de abrir os olhos. Assim Gil fez.

Enxugou as lágrimas com a fronha do travesseiro, foi ao álbum de fotografias, tomou nas mãos uma tesoura e voltou a destruir as lembranças. Não podia esperar mais nada de Ricardo. Sua vida já estava plena ao lado de outro alguém.

E ele precisava recomeçar também.

Chá com sequilhos (ou Penúltima Carta de Amor)

Sinto que esses dias são dias bons para sair de casa e ver como a vida vai dar conta das coisas que você sempre duvidou que fossem dar certo.

Tudo porque as coisas tem dado certo sem que eu questione ou peça a deus. O mais legal é agradecer.

Uma pena que você não esteja por perto para ver que eu estou sorrindo novamente.

Manda um beijo para sua mãe e diz que um dia passo por aí para tomar aquele chá com sequilhos.

Beijos, 
David Luiz

P.S.: Ontem eu saí com um cara que conheci na festa de um colega do trabalho. Acho que vamos nos ver novamente no fim de semana. Achei que você devia saber. Desculpe se exagerei na informação

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Não há mais estrada (ou Não tenho certeza se é sonho ou realidade)

Acordei lembrando daquela viagem. A última que fizemos juntos, antes do acidente de moto. Tava lembrando da gente quase deitado naquelas poltronas reclináveis do ônibus. Lembra que pegamos o primeiro que encontramos na rodoviária sem sequer saber aonde ele ia? E eu, rezando por dentro pra que a viagem demorasse tempo suficiente pra eu cansar de ficar de teu lado. A gente viajou durante três dias e eu queria mais.

Mas que loucura, aquilo! Será que a gente teria a mesma coragem, hoje em dia? Nunca vou me esquecer de nossas risadas no meio da madrugada tapando a boca um do outro, pra não acordar ninguém. Ou de nosso sexo, que foi quase um contorcionismo, na tentativa de não fazer as pessoas perceberem nada. E aquele tiozinho da poltrona do lado ainda acordou...

Acho que foi a viagem mais longa que já fiz. Mas os três dias pareceram minutos, quase segundos... Eu faria tudo novamente. Até as mesmas fotografias. Pois é, eu que reclamava a cada foto que você queria fazer, eu faria todas de novo e de novo e de novo. Só pra ter você por perto. Seu cheiro de perfume vagabundo comprado na beira da estrada porque esqueceu o desodorante em casa. Nossa, que coisa horrenda era aquilo.

Mas veja no que me  tornei. Um saudosista notívago. Quase um vampiro, sugando o pouco de felicidade que ainda resta das pessoas ao redor. Na verdade, estou no meio de uma festa sem graça, nesse exato momento. Com muita pouca paciência pro João Alfredo, o Augusto e o George, que passaram a noite inteira cheirando. Sem saco algum pra aturar as risadas altas e desnecessárias de Mirela e os baseados que ela fumou. Acho que estou um pouco bêbado e só queria ficar no meu canto, com as cabras.

Colocaram o Transa pra tocar e tá na faixa 4. A sua música preferida. Eu vou vomitar a batata frita que comi no jantar. Mentira. A quem eu quero enganar. Todo mundo aqui sabe que eu me tranquei no banheiro pra chorar. Eu ainda não aprendi a lidar com sua falta. E não consigo passar por aquela curva. Era pra eu estar sem capacete. Me arrependo tanto de ter te permitido me convencer a usar, enquanto o experiente e destemido você viajava sem. Eu devia ter evitado.

Estão batendo na porta do banheiro, devem estar com medo que eu me mate. Por mais que minha vontade seja estar contigo nesse momento, eu não sou tão corajoso assim. Mesmo que os remédios de Sara estejam no armário e a tentação seja uma forte aliada do álcool...

Eu preciso saber viver sem você. Não sei ainda quando vou conseguir.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

I cried for you on a kitchen floor

Essa noite, lembrei de você. Funcionava como o amanhecer e o sol entre as nuvens de agosto pintava de luz os pontos mais escuros de sua rua. E eu, apaixonadamente, ridiculamente, suspirava ao sentir a brisa de seu perfume cruzar a esquina. Pra te ver cantar em outros palcos.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

O amor em tempos de cozinha

Fica difícil pra mim, viver em um mundo em que não posso tocar você. É difícil pensar que estamos tão distantes um do outro e que nossas vidas ainda estejam ligadas. Mas que diabo de querer é esse que não se desfaz? Que inferno!

Queria eu poder estar nesse mundo vadiando e fazendo todas as loucuras que sempre sonhei fazer. Queria mesmo estar me metendo em festas e sair sem lembrar o nome das pessoas que eu beijei. Mas todas elas só tem um nome: o seu.

O que tinha naqueles sucos que tomei nas tardes que passei em tua casa. O que tinha naquele doce que tomamos juntos? O que tinha naquela cebola que cortamos juntos na pia?

Lembro cada canto de sua casa, como um pedaço de um conto erótico. Deve ter um pouco de amor em cada cômodo. Tem um pouco de amor teu em mim.

Tem você em cada canto meu. Inclusive quando não canto.

domingo, 27 de abril de 2014

mas o sol sempre surpreende

há quanto tempo não sento para escrever nada pra você. até me senti estranho quando me bateu a vontade, inspiração. sei lá como você gosta de chamar essas coisas ridículas que te escrevo de vez em quando.

estava sentado na varanda, fumando o último cigarro do maço. acredita que eu não comprei mais nenhum? mas sim, fumava o derradeiro quando lembrei de quê? adivinha? de você mandando eu não esquecer de comprar cigarros antes de sairmos para a festa de casamento do alex e da mônica. 

eles se separaram, você soube? alex me ligou outro dia, me chamando para ajudar na mudança. quando cheguei na casa dos dois, só ele ia se mudar. foi morar em um apartamento pequeno na barra. coitado. ele sempre odiou a barra, sempre disse que ali não é bairro, é lugar pra refugiado. rs. está indignado, mas tá pagando bem mais barato do que pagaria aqui na zona sul. os preços dos apartamentos aqui estão pela hora da morte.

até ofereci nosso outro quarto para  ele, mas ele disse que não se sentiria à vontade morando comigo. disse que eu precisava de privacidade para minhas pegações e ele também. mal sabe ele que, desde que nos separamos, não fiquei com ninguém.

eu sei que você já. não me importa e nem é sobre isso que quero falar.

hoje eu comprei uma garrafa daquela cerveja com banana que você me mostrou uma vez. comprei receoso e com raiva. ela não é muito barata. e você sabe que eu odeio gastar grana à toa. mas, olha, ela não é muito ruim. é até gostosinha.

comprei uma dessa cerveja e comprei uma garrafa de vinho barato. sequei a garrafa ouvindo aquele vinil de gal. sabe aquele que a gente comprou junto naquela barraquinha na cinelândia? nossa, aquele álbum é lindo. você também.

perdoe minhas bobagens. controlar-me-ei. rs.

estou tão bêbado que estou usando mesóclise. há quanto tempo não uso mesóclise? rs. usei uma vez num joguinho contigo. lembro que você disse que mesóclise era um pouco sedutor. "penetrar-te-ei com meu pau", foi o que disse. agora me parece uma incrível bobagem. na hora também me pareceu. mas funcionou. rs.

alex me disse que você estava querendo passar uns tempos fora do país. queria saber antes de você ir, para onde vai. sinto saudade de ser a pessoa para quem suas novidades sempre escorriam. aliás, antes de tudo, não tenho contado as minhas porque não as tenho. 

...

carlos, eu preciso saber de você. quando tiver um tempo, manda um sms.

agora vou tomar um sorvete na lanchonete. os meninos vão passar aqui em casa pra vermos o pôr-do-sol no arpoador. talvez a gente ainda saia hoje. eles querem ir na cine ideal. não sei se vou. chapei demais durante o dia pra suportar uma noitada. nos falamos depois.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

nescafunny

- em que sonho eu sonho meu sonho igual ao teu?
- are you ok, annie?
- não.

sábado, 5 de abril de 2014

Pieguices

Andei cansado nos últimos dias. Comecei a escrever vários textos em terceira pessoa, mas não era eu. Daí abri e fechei o computador diversas vezes. Depois de muitos copos de uísque, durante toda a semana, muitos cigarros e noites em claro, resolvi que nunca mais escreveria.

Na verdade, estou farto de escrever sobre esses sentimentos ruins e pensei que poderia começar a escrever sobre algo alegre, algo que melhorasse o humor e que não soasse piegas. Talvez um texto fantástico, com duendes e magos e monstros subjugados a um bruxo malvado querendo dominar todo o mundo mágico e não-mágico. Desses textos que são sucesso na internet e nos livros e viram filmes e viram séries de TV e empolgam adolescentes.

Decidi que não. E então, escolhi escrever sobre mim mesmo. Contar minha vida em primeira pessoa, minhas histórias, como uma biografia, mesmo que eu seja ainda jovem.

Mas preferi não, também. Andei meio sem coisas pra dizer e decidi me calar. Amor, a falta de você é tão absoluta que o silêncio teu em minha vida faz minha mente esvaziar. Volta pra mim antes que eu emudeça finalmente, antes que não me reste nem sequer um 'eu te amo'.

domingo, 23 de março de 2014

Nada de Oscar

Lembrei do Scorsese que não vimos juntos no cinema e, de repente, lembrei que não estamos mais juntos. Mas quê? Não era um pacto de eternidade? Ouvi dizer que ele sequer esperou que as coisas se equilibrassem e já está rodando um novo filme. Talvez eu pare de ver os filmes que ele lança só pela falta de educação em me lembrar que toda história de amor tem um fim.

quarta-feira, 5 de março de 2014

De uma lembrança...

Eu esqueci como era teu sorriso. Ontem, chorei por mais de meia hora só por ter esquecido também o jeito que você me falava "boa noite". Eu não consegui sequer lembrar em qual posição você dormia e me aconchegava em teu corpo. Não lembrei se suas pernas iam por cima das minhas ou o contrário. E isso me fez lembrar que eu reclamava quando não conseguíamos o encaixe perfeito de nossos dedos dos pés. Um centímetro a menos e um frio assombroso quase congelava nossos pés.

Nossa! Esqueci também se você tomava café com duas ou três colheres de açúcar. A proporção de leite no teu copo eu ainda posso recordar. Quatro pra um. Risos. Outro dia, coloquei um pouco de leite em tua caneca para mim, a fim de ver se teu gosto ainda estaria lá, de alguma forma. Não estava, claro. Quem tomou todo o leite foi o Chico, que ainda procura teu colo todos os dias, a partir das 20 horas, em frente à nossa TV, na poltrona que era de meu avô e que você insistia em manter em casa, no meio daqueles móveis retilíneos.

A decoração da sala continua desequilibrada por conta da poltrona, mas eu decidi manter depois que você nos deixou. É uma cama para Chico e um dos meus jeitos de te fazer presente naquela casa. Ela continua lá, no mesmo canto onde você deixou quando a gente se mudou para este apartamento. A TV também está no mesmo lugar. Mesmo depois de assistir a todos os canais possíveis, prefiro deixar ela desligada sempre naquele canal que você adorava. É outro jeito de te manter perto. Ligar o aparelho e, de repente, ouvir a voz no noticiário é como olhar a poltrona e ainda te encontrar sentado, meio de lado, tomando um café, fumando um cigarro ou enrolando um baseado.

Outro dia, a Luana esteve aqui e me perguntou se você tinha parado de fumar, já que nunca mais tinha sentido nenhum cheiro invadindo o quarto dela. Dei uma desculpa qualquer para ela, disse que você não estava em casa, disse que eu estava de saída. Ela deve ter percebido tua ausência. Todos percebem. Essa casa é enorme sem você. Sou capaz de ouvir o eco de meus soluços, toda vez que sento à mesa de jantar sozinho. O bater dos talheres nos pratos. No prato. Só tem um na mesa, sempre. A geladeira não tem mais comida saudável. Vive cheia de caixas e enlatados, todos pela metade. Preciso aprender a comprar porções únicas.

Esta manhã, pensei em você. Acordei com dor de cabeça. Quando falei alto, imaginando alguém me ouvindo reclamar, lembrei de como você me mandava, todas as vezes que tinha dor de cabeça, procurar um médico. "Isso não é normal!", você dizia com uma cara de preocupação. Passaria dores de cabeça por todos os dias de minha vida, só pra ter certeza de tua preocupação com minha saúde. Era bom me sentir tão querido e cuidado. Agora só minha mãe faz perguntas do tipo "comeu bem?", uma vez por semana quando ela lembra de me ligar.

Ah, não tenho usado mais o ar condicionado de nosso, digo, de meu quarto. E também parei com o descongestionante. Acho que você ia gostar de me ver tão saudável. Tirando a parte dos enlatados. O Chico chegou nos meus pés pedindo comida. Vou colocar o pratinho de ração dele. Ainda bem que você não pôde levá-lo para tua casa nova. Ele tem me feito companhia. Bom, estou indo, este gato é um esfomeado. Risos. Quando for dormir, volto a tentar lembrar qual nossa posição. Vai ser mais uma tentativa frustrada, tenho certeza. Já vai, Chico!

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O efeito do banho dura pouco

Chove muito lá fora. Corri pra fechar as janelas e evitar que minha cama ficasse molhada com a torrente que não parava desde oito da noite. Graças a deus ou alguma divindade, eu tinha acabado de chegar em casa quando a tempestade começou. Não me molhei.

Mas a casa está fria. Chegar, tirar os sapatos, pisar o chão gelado me fez arrepiar um pouco. Até pensei em você, saindo do quarto com aquele lençol estampado na cabeça, correndo sem roupa pela casa com um sorriso no rosto. Lembra?

Só que não tinha você. Nem lençol estampado. Sequer alegria no rosto de ninguém. No meu, pelo menos, não havia nenhuma expressão de felicidade. Era só o cansaço de um dia cheio e a chateação das horas dentro de um ônibus preso em um engarrafamento.

Acendi um cigarro. Tinha parado de fumar depois que você foi embora, mas quando a saudade apertou, o sabor do cigarro em minha boca me fazia lembrar o gosto de sua língua quando roçava a minha. Sim, tenho tentado te encontrar nessas besteiras. Meu risco maior é me viciar em alguma droga. Ou me viciar em cheirar as roupas que estão em sua gaveta de gravatas. O cheiro delas ainda está lá. Agora eu uso para minhas cuecas. É estranho, eu sei. Mas minha loucura se explica na saudade.

Bom, a chuva parou por aqui. Deve ter ido molhar o rosto de outro cara sozinho em casa e ainda apaixonado. Deixou um rastro estranho de passado. Trouxe as fotos rasgadas que estavam empilhadas perto do lixo da cozinha. O cigarro acabou e o banho quente me aqueceu do frio. Está bem... Por essa noite eu deixo pra lá, não vou me preocupar que você não volte.

Acho que te ligarei amanhã pela tarde, pra perguntar como está Finho. Já sabe que vou querer saber como anda sua vida também, né? Então, não deixe de me atender. E não se esqueça de voltar logo pra perto de mim. O efeito do banho dura pouco.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Tudo sobre a noite

Longe de mim há menos de dois passos. E eu não consigo pensar em outra coisa que não seja te olhar. E quando penso em tocar tua mão, você se afasta mais de um milhão de anos-luz e eu acordo de um sonho lindo. O mais lindo que já sonhara. Então levanto, acendo um cigarro e escrevo um poema.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

sonho de uma noite de verão

as lágrimas mancharam mais de uma vez o papel em que ela escrevia a carta de despedida. ele cantarolava uma canção antiga, ainda do início do relacionamento. ela tentava desesperadamente escrever algo que não a fizesse morrer aos poucos. ele acendeu um cigarro, encostado na janela, olhava para baixo. ela descansava os olhos marejados na parede branca do quarto de dormir. ele respirava fundo da janela do vigésimo terceiro andar. ela lembrava de todas as palavras ditas, carinhosas, rudes, amáveis, afiadas. ele ainda cantarolava a canção. ela voltou a escrever e seu rosto não secava. ele encostou a cabeça na parede. ela deitou um pouco, olhou para cima e imaginou estrelas. ele sentou no chão, enquanto olhava fixamente o cigarro, como desejasse apagá-lo com a mente. ela deixou escorrer pelo rosto as lágrimas; não limpou. ele colocou a cabeça entre os joelhos, rezou uma ave maria. ela sentou e tomou a caneta novamente às mãos. ele abriu a boca em um lamento surdo. ela soluçou cinco gotas de lágrimas. ele tragou. ela suspirou. ele parou de cantarolar. ela secou as lágrimas em seu rosto. ele terminou o cigarro, finalmente. ela terminou a carta, finalmente.

não sei quanto tempo demorei para sair dali. saí daquela sala enquanto o nilo me banhava a face. olhei para seu rosto também úmido, suas mãos ainda trêmulas. não sabia onde chegaria, nem para onde ia, nem como seria o futuro distante planejado naquele último minuto. saí cantarolando uma música qualquer cheia de dor. queria sentir como era ser machucado. a autoflagelação, a mais cristã das minhas atitudes. era o que me restava naquele meio de tarde de outono. saí sem acender nenhum cigarro. a carta estava em cima da mesa. a chave de casa estava sobre o sofá. abri a porta. fechei a porta. beijei o papel. beijei também seu rosto. sequei o pouco resto de lágrima que ainda tinha. levantei os olhos para o teto. imaginei estrelas. acendi o cigarro. abri a porta. parti em um adeus que nem eu mesmo pude escutar.

ela acordou.

ele acordou.