quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Diário de Alberto Sanches Malta de Bragança e Toledo

Tentando, entre as lágrimas de ontem, resgatar no mais profundo de minha alma algum resto de auto-estima. Apenas encontro um pouco de terra e um pouco de sementes secas. Nada que se possa plantar e colher de bom. A vontade que me vem ao coração é arrancar de mim todo o sentimento. Mas como fazê-lo? Eu perdi minha força de vontade. Eu perdi meu interesse em mim. Nem mais consigo me olhar no espelho e reconhecer o garoto cheia de vida que via. Algumas coisas destruiram em mim o que demorei uma vida inteira pra construir, tão facilmente como se sopra uma vela de aniversário. A verdade é que depois desse diário, eu devo escrever uma carta de suicídio. Meus amigos irão saber. Minha família irá saber. Minha alminha atordoada dentro desse corpo, ainda inadaptada. Ela não sabe como sobreviver nesse mundo, nesse corpo, nessa carne. É uma alminha nova, só pode. Inocente em tudo, não sabe como é que se dão as coisas por aqui. Sofrimento demais pra ela, que é obrigada a abrigar este pedaço de carne ruim. Sempre sentindo muito por tudo e clamando aos céus misericórdia de Deus, pra que a permita sair daqui de dentro. Na verdade, posso ouvi-la chorar. É só fechar os olhos e tentar escutar dentro do meu coração. Os gemidos são de minha alminha, fora de contexto nesse mundo. Quem dera encarasse em um animal. Mas encarnou em homem, fraco, medroso, covarde, metido a justo. Encarnou na escória da raça dos homens. Era uma experiência frustrada e insignificante de vida. Estava louca, a alminha, pra não mais encarnar tão cedo. Esperava e desejava sair daquele corpo e quem sabe, um dia voltar a ser rato, pois que o rato da vida passada, curta, diga-se de passagem, fora um rato corajoso, ao menos. Eu despeço a minha alma. coloco-a pra dormir numa dessas noite de destrução, desvalorização e medo. Encontrei um velho caderno. Talvez meus velhos segredos possam ajudar a relaxar minha alma e fazê-la descansar ainda em mim. Pra amanhã tentar começar tudo de novo, viver o que for preciso, esquentar o coração ou deixar-se abandonar no precipício.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O Que Sobrou da História de Nós Dois


Parou para ouvir os pingos da chuva na janela
Olhava as gotinhas escorregando pelo vidro
Sentiu um frio repentino, parecia que inverno chegara

Olhou uma xícara sobre a mesa
Pontas de cigarro e cinzas dentro dela
Ainda um resto de café da noite anterior, talvez.

A cama desfeita
Travesseiros pelo chão
Uma embalagem de chocolates no colchão

Um par de meias sujas no banheiro
Um par de escovas de dentes
Um par de chinelos de borracha

Um sofá grande e vazio
Uma TV desligada,
Parecia que acordara no último dia de sua vida

Todos os pensamentos voltados
Para fora de sua janela
Lá, passavam pernas e saias e calças desbotadas

Catou umas fotografias velhas
Juntou todas num prato velho
Tomou o álcool e o fósforo e pôs fogo na pilha de retratos

Fechou a cortina
Fechou a porta
Fechou os olhos

A fumaça parecia fazê-la
Esquecer de tudo e cair em sono
Assim levou os dias que se seguiram

Contas de Ogum

Refeito em sopro
Como um algo que surge
Sou apenas virtude
Virtude disfarçada de imperfeição

Enquanto as voltas
Do colar de contas
Me parecem enforcar o pobre garoto
Me sufoco em um beijo interminável

Onde há língua e lábios e saliva
E mais um resto de sedução
Que com fé em Ogum, salvará a noite.

Há mais que desejo entre nós e eu posso sentir
Há um tanto de sentimento
E eu sei disso, por que assim disse minha mãe

Quando a chuva veio e levou de mim toda a lama
Eu descobri que não era apenas um sonho bom
E então? Onde estavam mesmo as pétalas de rosas?
No buquê da noiva, esperando um sentido de estar

As contas em azul-marinho me davam tranquilidade
E era assim que eu esperava a noite

Aquele rapaz de Ogum, os conselhos de minha mãe
E a sedução irremediável de seus olhos
Negros como sua pele
E sua fé
E suas armas.

Aprisionando-me em braços e abraços, amarrando
Suas contas nas minhas
Um tanto folclórico e lendário
Um tanto irremediavelmente deslumbrante
Ao juntar o que há em nós de melhor.
Minha virtude e sua virilidade.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Vazio (ou Quinta-feira)

Mas é que agora não há telefonemas nem cartas
Não há taças, nem garrafa de vinho
Não há resto ou um prato sujo
Não há carinho ou cafuné

Neste momento há apenas um cigarro e uma câmera.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Carta de Despedida em Enterro de Mário [ou O Adeus de Luisa para Mário]

Ver em minha cara
Um pouco de sua marca
É como lembrar o nosso tempo
Juntos

Olhar a marca de lágrima
Escorrendo em meu rosto
Através do espelho
É lembrar o passado glorioso
Estando perto de você

E resgatar na memória
As suas faltas de compostura
Suas falhas memoráveis
Madrugadas intermináveis
Esperando você ligar

Ouvir em minha mente seu sussurro
E seu "vem pra mim"
E depois lembrar
O seu levantar e pôr-de-calças...

Quase uma piada de Deus,
Esse amor maluco

Se as surpresas não tivessem
Me mostrado como são fracas
As histórias de amor
Que livros mentem
Que  novelas são apenas
Novelas

Que na verdade,
Todo sentimento é um engodo na vida
Que apenas a carne era-nos importante

Estava eu, aqui, ainda
Falando bem do sentir-se apaixonada
Mas olhe bem pra mim
Sou eu, a mulher chorosa

Agora dizendo
Que o pouco pra você
É bem feito
Que a piada de Deus nos foi engraçada,
Mas eu ri muito mais, no final.

E apenas hoje posso comemorar
Pois definitivamente estás longe de mim.
Bem colocado, onde te cabe
Com amor, Luisa.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Não Há

Não há corpo teu
Onde minha língua não alcance

Não há sequer uma gota de suor teu
Que eu não sugue

Não há qualquer gemido
Que não me faça te engolir em beijos

Não há um olhar sequer
Que não implore por mordidas

Não há em lugar algum
Maior desejo que o nosso

Não há pele, como a tua
Implorando por meu corpo

Não há ninguém, como você
Reconhecendo meu cheiro pela escada

Não há em livros
Histórias como a nossa

E não há no mundo inteiro
Tanta fome, como a minha por você.