terça-feira, 26 de julho de 2011

Por Todo Ontem

Olhando para o rosto no espelho, a barba por fazer, o sorriso amarelo e sem graça. Ele era um menino na alma. Não sabia se comportar diante de tantas mudanças. Lavou o rosto e voltou a olhar o espelho. É, era capaz de se reconhecer. Mas não sabia ao certo o quanto queria ser daquele jeito. De qualquer forma, ele era capaz de ver no espelho um rosto com o qual ele conseguia se sentir agradável.

Mas por fora de seu banheiro, nada era como ele queria. Ele, decerto, tinha sonhos, mas nenhum deles era tão próximo quanto desejava que fosse. Era apaixonado, mas não sabia como externar esse sentimento. Tudo em sua realidade era tão distante. Ele era jovem, mas não era assim que se sentia. Ele era um rapaz bonito, mas não fazia sucesso algum com as garotas. Ele não se importava com isso. Sucesso com garotas era o que ele menos queria fazer. Nem com garotos, antes que concluam que era gay. Assim, pregava sua liberdade de beijar qualquer um que quisesse beijar.

Ele se sentia mesmo um viajante. Não se achava em casa, mesmo morando naquele endereço desde que nascera. Seus pais, já mortos e sua irmã, um ano mais velha que ele, nunca fizeram questão de sair de lá. Ele não, sempre sonhou como seria o mundo longe da rua estreita e arborizada onde morava. Sempre pensou que seria um lugar bonito lá fora. Lá longe, onde não pudesse lembrar de como as folhas caídas do outono tremilicavam quando os carros silenciosos dos ricos vizinhos passavam por cima delas. Ou ainda onde não precisaria ver o ônibus escolar passar toda manhã carregando as crianças para o colégio. O mesmo motorista que um dia também o levou.

Saiu do quarto, olhou ao redor, as roupas de seu affair jogadas pelo chão. Achou graça daquilo tudo. Arrumou as roupas num canto da cama, olhou pra ele e pensou que se fosse outra pessoa qualquer, estaria sentindo a mesma coisa. Nada. Não sentia nada.

Decidiu, ali, que passaria um tempo fora daquela cidade, morando num lugar qualquer longe de todas as coisas que aprendera a odiar com o tempo. Começou, então, a fazer as malas.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Tarde de Outubro

Amadeu estava correndo atrás de seu passado. Escreveu uns números num pedaço de papel. Não era nada importante. Não com essa importância pensada por todos os normais. Eram só números. Sentou na poltrona que um dia fora de seu avô, já reformada por três vezes, acendeu um cigarro, pegou a xícara que estava na mesa ao lado e tomou um gole de café.

Sentiu saudades, de repente, de um sentimento do passado. Amadeu não era tão velho assim, portanto seus sentimentos não eram tão velhos também. Mas ele sentia uma falta repentina de algo que não sabia o quê. Sentiu-se vazio. Sentiu-se desnecessário. Sentiu que ainda precisava sentir esse algo de novo. Essa sensação boa de pertencimento. Era assim que Amadeu estava se sentindo hoje. E ele preferiu não sair de casa.

Amadeu não era cristão ou religioso. Na verdade tinha até um pouco de asco da religiosidade alheia. Não era comunista, nem liberal. Fazia suas compras, pagava seus impostos, contratava serviços, como qualquer ser humano. Até se deu ao luxo, certa feita, de pagar uma dessas mulheres da internet. Não era de Deus que ele sentia falta. Talvez fosse maior que Deus, o que procurava. E era mesmo. Ele só não sabia o que era.

Mas Amadeu sabia que não podia encontrar isso em lugar algum. Ao menos era a experiência que ele tinha. Sentado, no seu segundo cigarro, com sua terceira caneca de café, lembrava-se de todos os espaços que já tinha frequentado na vida: entre eles a igreja, não mentia pra si mesmo.

Por um momento, lembrou dos sonhos de sua mãe para a sua vida. Faculdade, esposa, filhos. Não, ele nunca quis isso. Sempre sonhou pra si mesmo uma viagem pela Ásia, fotografias na Austrália, um café num bistrô em Paris. Não realizou nenhuma. Mas ainda sonhava. E não. Não era disso que sentia falta.

Hoje era um dia atípico. Ele não era assim todos os dias. E na verdade nem se dava tanto a esses luxos. Acendeu mais um cigarro, dessa vez um baseado. Quando se sentia assim, perdido no mundo e desencontrado, fumava um pouco. Mas não pra se sentir melhor, pra poder fazer a situação se agravar e tentar no caos, buscar a solução para as suas faltas.

Chegou a uma conclusão importante: não era o único a se sentir assim. Mas isso não o fazia se sentir melhor, ainda. Não fazia mais ideia do que sentia. Mas já não estava mais tão abatido quanto tinha acordado. Abriu os olhos e viu que tinha ficado horas pensando em si. Levantou da poltrona que um dia fora de seu avô, reformada por três vezes e saiu da sala catando pontas de cigarro e levando a caneca para a pia. Lavou a caneca. E a água que escorria pela torneira era só a água que escorria pela torneira, nada além disso.