domingo, 22 de agosto de 2010

A Carta de Letícia (ou Aquele Texto Pós-adolescente)

E agora?
Não, não o José!
E agora? Você?
Sem querer ser plágio.
Mas e agora?

Não havemos de ser tão pobres na alma
Não havemos de querer um mundo mais cinza do que colorido
Não há mais estradas tão tortuosas e tão cheias de neblina
As estradas são estradas, dentro da minha cabeça.

E as muitas horas perdidas e colchões manchados de tristeza?
E agora?
Não se farão mais presentes?
Nem virão com uma fita vermelha e um laço bonito?

Acho que não
A mesma água que tomamos ontem
A mesma água pela qual fomos batizados
Essa mesma água já lavou tudo que trouxemos de ruim.

E nos restou um travesseiro
Ao invés de espuma ou penas, há flores de camomila
Ao invés de insônia e maus pensamentos
Há sonhos e velhos desejos voltando à vida

E há beijos de boa noite
E há canções de ninar
E há, como nunca houve, vontade de acordar amanhã.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Frida

Acendeu todas as velas que conseguiu encontrar em casa
Fez uma oração a todos os santos que conhecia
A todos os orixás, da terra e da água, aos caboclos.
Fez uma canção especial à Rainha das Águas, que é Iemanjá.

Dessa forma continuou a noite inteira entoando louvores e cânticos
Clamando à mãe natureza, aos seus deuses e deusas.

Escreveu num papel uma lista de desejos, já acendera o fogo
Agora queimava a lista,
E como a deixar que o vento soprasse seus desejos aos deuses
Deixou que o vento levasse as cinzas para longe

Cantava durante todo o ritual
Molhou os cabelos com a água abençoada por ela mesma,
Enquanto entoava as canções
Era parte do ritual, se fazer
Parte da natureza também.
Evocou mais uma vez todos os seus deuses, orixás, santos...
Podia sentir o poder de suas orações.
Como um sopro de energia

Não sabia no que resultaria aquilo, mas sentia-se plena
E sua alma já estava em êxtase
Continuou cantando às águas, 
Pediu a benção dos céus, 
Reza com a vela acesa
Entre dizeres ensaiados e espontâneos
Lágrimas e arrepios e vontade de ser tudo

Como se todo bem e todo mal se encontrasse nela
Como se todo o poder do universo estivesse em seu corpo
Como a magia da noite e do dia pudesse fazê-la completa
Era ela acompanhada por anjos e santos
Era ela comandando exército de bem e mal, numa equivalência
Nunca antes vista
E era nela que tudo parecia convergir

E num vento muito forte, o apagar de todas as velas
E um raio cortando o céu
E a chuva que começava a cair com muita força
E a certeza de estar sendo escutada

Já não entoava mais cântico algum
Calou-se
E ficou sentindo-se parte do universo
Sentido o universo girar contigo
E todos os deuses lhes soprarem segredos aos ouvidos
E caiu num sono tranquilo.