domingo, 31 de janeiro de 2010

Chuva

Aconteceu que ao olhar o céu
Praguejou contra Deus
E evitou cuspir, apenas
Por saber que ia voltar pra sua cara

Colocou um monte de pontos onde
Não deveriam existir.
Deixou que as crianaças quebrassem
Toda a sua louça

Nada mais importava
Nem queria que importasse
Parecia não desejar nada mais

Chorou um tanto de lágrimas
Colocou o lenço no bolso e saiu
Vaidosa, seu vestido rasgado
Seu rosto manchado com a maquiagem

Está aí a mulher forte que te amou

Aquietou o coração
Odiou todos os homens do mundo
Desejou ter amigos naquele momento
Xingou o céu mais uma vez

Tirou os sapatos
Encontrou um banco
Sentou-se
Escondeu o rosto entre as pernas
Chorou com vergonha

Secou as lágrimas e as emoções
Usou seu lenço
Retocou a maquiagem
Superior a todas essas fraquezas
Atravessou a rua

E seu corpo
Libertou sua alma, enfim.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

rainha

lá fora está a rainha
está sentada na namoradeira
encostada, esperando sua coroa


estamos acabando de jantar
e de vez em quando sobra um pouco de comida
a verdade é mesmo que estamos muito bem


e sorrimos muito
ao som de piano

a rainha está lá fora

domingo, 3 de janeiro de 2010

Sala de Estar

O mundo só pode estar louco mesmo! Eu acabo de olhar o céu e a Lua está dando algumas voltas. Ou eu estou girando, ou isso é efeito especial de Hollywood, ou eu só estou bêbado mesmo. Pra dizer a verdade, bêbado. Eu me dou conta disso porque tô vendo a garrafa de gin quase vazia. Mas que nojo, eu odiava gin até... Não me lembro até quando. Talvez até comprar essa porra dessa garrafa. Não tinha nada mais saboroso? Amanhã, sem pestanejar, pergunto pra aquele menino que trabalha na venda! Ele sabe que eu nunca bebo gin, por que desgraça me vendeu esta garrafa? Bom, mas isso não importa mais. Já estou bêbado mesmo. E completamente sujo também. Um fedor de cigarro filho da puta. Mas eu não fumo há cerca de dois anos e meio!! Desde que meu filho nasceu eu não coloco uma bituca de cigarro na boca. Ah, aquele menino da venda aproveitou meu estado ébrio e me vendeu cigarro também. Mas eu nem sinto gosto de cigarro na boca, como pode ser? Ah bom, é minha namorada que fuma na varanda. Essa vadia, já mandei não fumar em meu apartamento. Mas eu to bêbado e ela se aproveitou de minha fraqueza! Ela veio me reclamar, dizendo que eu tinha deixado, só dessa vez. Está chovendo. Minha varanda está um pouco molhada. E eu estou deitado no chão da sala. Daqui dá pra ver o céu. A minha mãe disse que homens bons vão pra lá. Disse que meu avô está lá. Eu acreditei e quis ser igual a ele. O céu que eu via nos livros era bonito. Tinha tigres e elefantes juntos de pessoas. Eu adorava os tigres, queria ir pro céu. Mas rapazes que bebem, fumam, transam antes de casar, tem filhos e não casam com a mãe destes, e ainda por cima pagam prostitutas não vão pro céu. Eu fui colocado pra fora da fila. Talvez um dia eu volte. Já parei de fumar e agora meu filho tem vindo me visitar aos fins de semana. E eu parei com as prostitutas depois que comecei com Fernanda. Estou mais perto do céu agora. A campanhia tocou. Quem seria uma hora dessas? Visitas no meio da noite. Se for quem eu estou pensando que seja... Não é. Ainda bem. Ia me colocar umas trinta posições atrás da fila do céu. Era só a comida chegando. Fernanda passou por cima de mim e foi atender à porta. Ela estava sem calcinha por debaixo da saia. Adorava vê-la sem calcinha por debaixo da saia. Era como saber que queria transar. Eu estava bêbado e com tesão. Que combinação louca! Fernanda comeu, me deu algumas fatias de pizza. Eu permanecia no chão da sala. Estatelado. Como se não tivesse os movimentos do corpo. O  céu. A lua giratória, não sei pra que, nem por que girava tanto, aquela bola sem graça. Fernanda sem calcinha por debaixo da saia. E a garrafa quase vazia de gin sobre a mesa de centro. Pontas de cigarro. Isqueiro. Me sentia num filme tosco, mal produzido, com um roteiro pobre e um diretor fuleiro. Eu era o ator principal. Grande merda. O mocinho vai morrer antes dos trinta. Eu fechei os olhos. O vômito foi inevitável, mas deu tempo de correr à privada. Trinta e dois minutos no banheiro. E uma sede desgraçada depois de vomitar. Queria água, bebi a do aquário. Tinha um gosto ruim pra caralho. Fernanda surgiu como uma ninfa. Uma jarra de água numa das mãos e na outra, um copo. Eu sabia que ela me amava. E eu a amava também, apesar do cigarro. Tomei toda a garrafa. E voltei ao chão da sala. Fernanda voltou à varanda, ao cigarro, ao gin. Adormeci por ali mesmo.