estamos deitados e essa cama me parece pequena demais para nós dois. levanto no meio da madrugada com calor. a energia tinha acabado na rua inteira. até no quarteirão das flores.
levanto da cama ainda sem roupa. meus óculos estão no criado mudo amarelo. um que comprei de um amigo, quando da mudança dele para brasília.
olho pela janela e começo a lembrar de todas as minhas paixões. uma a uma, elas vêm como se eu nunca as tivesse esquecido. uma a uma.
são meninas, mulheres, rapazes. todas avassaladoras, como precisam ser as paixões. avassaladoras e sem cura.
acendo um cigarro, enquanto olho para você deitado na cama. é um sonho. um sonho meu estar te olhando sem roupa, tão perto, depois de desejar presenciar essa cena por tanto tempo.
a fumaça do cigarro embaça a cena e me faz levar você para o tempo em que era apenas um desejo. eu prometia nunca me render a ele, já que você era um rapaz sério, noivo, quase casado.
morria sempre que seu sorriso encontrava meus olhos e o seu perfume... e o seu perfume invadia meu corpo como um relaxante, um desses que a gente inala para poder ficar bem.
morria de tesão, mesmo, toda vez que você fazia questão de me abraçar e de me contar segredos que nem existiam, ao pé do ouvido, sussurrando. provocando meus mais sujos e excitantes pensamentos.
mas hoje, ao olhar você na cama, a sensação de dever cumprido e de caça abatida me toca. é como se seu corpo ali fosse a cabeça de um alce na parede. é meu. é meu?
não é meu, eu sei. ainda é de outra pessoa que, dessa vez, eu ignorei completamente.
acabo o cigarro, vou à sala tomar um gole de água. a energia volta. tomo também um dedo de uísque. ligo o ar condicionado, tomo um cobertor.
beijo sua bunda suas costas, seu pescoço, sua boca, te cubro e volto a deitar.
fecho o olho e mentalizo um mantra: "não é meu". é mais fácil pegar no sono assim. é mais fácil não me apegar a você assim.
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