domingo, 28 de novembro de 2010

A mulher ao pé do prédio (ou Bóris escreve histórias das quais não se sente dono)

Bóris passou, então, a rabiscar algum papel que encontrara na sua mesa de trabalho. Riscou quase todo o papel, mas deixou no centro uma figura que lembrava um triângulo, nada muito regular, ou desenho digno de um arquiteto. Era apenas o desenho de um cara desencantado com a meia dúzia de histórias que era obrigado a escrever todos os dias. Histórias que não lhe pertenciam, que não saíam de sua boca, nem sequer de seu coração. Escrevia assim, todo dia, a fim de pagar suas contas. Não, não sairia dali apenas porque queria ser livre para colocar no papel as suas histórias, não sairia dali porque sonhava em ver as pessoas no palco representando o que escrevera. Não sairia dali pois sabia que não teria sucesso em lugar algum, em momento algum da vida. Sabia que não seria aceito fora dali, que seus conhecidos todos não o apoiariam nessa loucura. E, a propósito, não sairia dali pois tudo o que conquistara estava ali e ali era o melhor lugar onde estivera toda a vida, mesmo não sendo o lugar do seu coração. 

Enquanto tomava um café, olhou para baixo do prédio não muito alto, no centro da cidade. Conseguiu avistar de lá de cima uma mulher parada em frente ao prédio que parecia num impasse entre entrar e não entrar no prédio. A mulher olhava o relógio, tomava o celular na mão, colocava a mão na cintura, ou no bolso, ou alisava o cabelo. Ele reconheceu a mulher. Sabia quem ela era, mas não queria descer e encontrá-la. Lembrou de suas histórias, não a meia dúzia diária, mas aquelas que guardava na gaveta do criado-mudo herdado de sua vó. Lembrou que ela o inspirara numa delas e lembrou perfeitamente toda a história. 

A mulher continuava lá na porta do prédio. Não demorou muito e tomou coragem de dar um passo. Mas a coragem não era suficiente para fazê-la entrar, era descoragem. Saiu da frente do prédio onde Bóris trabalhava. Saiu do ângulo de visão de Bóris. E como num passe de mágica, saiu da cabeça dele, a história que escrevera pensando naquela mulher.

Voltou à sua mesa onde achou o triângulo desenhado. Lembrou que precisava fazer novas histórias, ainda não chegara na quarta. Tossiu e recomeçou a escrever.

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