segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A felicidade de Rodolfo (ou Aquele sobre o Finho)

Trouxemos Finho para casa. Finalmente ele parecia melhor. Sabe aquela história de depois da tempestade vir a bonança? Pois é como eu me sentia. Frente à bonança. Já podia respirar tranquilo depois de algumas semanas sem conseguir parar de pensar que o pior poderia acontecer. Mas graças a Deus, ou ao deus dos cães, Finho estava novamente em casa, conosco.

Os dias foram seguindo e parecia que nada poderia afastar tamanha felicidade de nossas vidas. Finho corria, brincava com seu urso de pelúcia de estimação e pulava em nossa cama toda manhã pedindo sua comida e que o levássemos para fora. Éramos novamente uma família feliz.

Mas o diabo se faz de bonzinho para conquistar as almas menos espertas. E foi isso que ele fez com a gente. Encheu nossas  vidas de felicidade e alegria ao lado de Finho. E de uma vez por todas, sem nos fazer nenhuma pergunta, o levou embora. Sem nos dá nenhum sinal de alerta, Finho morreu depois de latir seguidamente por 30 segundos. E nós dois, nos perguntando o que estava acontecendo, apenas descobrimos que era um adeus, depois que ele, finalmente se calou e fechou os olhos.

Ainda não estamos recuperados de sua ida. E sua cama ainda espera por você. Tomara que você esteja bem, aí no céu dos cachorros.

domingo, 17 de novembro de 2013

um canção para a noite toda

de onde vens? da casa para onde foges toda vez que cansa de estar ao meu lado? da barra do vestido daquela mulher que pinta os lábios com o vermelho da cor de sangue? da cama daquela uma que deve ter os lençóis sujos com o pecado? é de lá? e vens assim com esse cheiro de perfume barato? com essas flores murchas, compradas ainda ontem à noite na florista em frente ao cemitério?

é isso, que me ofereces? o cansaço de uma noite inteira sem dormir? se lambuzando no corpo daquela mulher devassa que quase não cobre os seios? não venha me beijar com os lábios sujos do corpo daquela! fique longe de mim, com tuas falsas lágrimas de arrependimento. eu te esperei durante o dia e a noite de ontem. esperei encontrar teu sorriso depois de um dia inteiro de trabalho, mas o que me trouxeste foi um ramalhete roubado de algum futuro velório? é isso?

não sabes quantas lágrimas derramei, enquanto imaginava aquela mulherzinha te despindo e se deixando despir. imaginando que ela estava te tocando, enquanto eu, morria um pouco, sozinha nesta casa enorme.

onde estão as crianças? na casa de minha mãe. mandei os meninos para lá, a fim de que não vissem seu estado ao chegar. e o meu estado ao te ver passar por esta porta.

por que choras? por que não tens coragem de me olhar no rosto? aquela vagabunda engoliu a tua língua enquanto beijava-te? responda? achas, por acaso, que irei acreditar em teu arrependimento silencioso? que apenas aceitarei que me digas alguma mentira sobre ontem à noite e que ficará tudo bem?

achas que calar-me com um beijo agora poderá secar as lágrimas que chorei ontem?

estou indo à casa de minha mãe buscar as crianças. deixei no forno a comida do jantar de ontem. se quiseres comer, podes, tu mesmo, esquentar.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Amor à primeira vista

Nunca pensei que fosse tão fácil se apaixonar por alguém. Bastou uma simples troca de olhares e foi suficiente para que eu me derramasse do mais absoluto e imbecil amor por aquele sorriso.

Os olhos brilhantes, como os de um menino que acaba de ganhar o brinquedo que desejava há tempos. Ou que ganhou um beijo da garota mais bonita da turma do colégio. Um olhar que brilhava ao encontrar o meu. Era como se eu pudesse mergulhar naquele brilho e sentisse como se fosse minha própria casa.

O sorriso cativante, aberto, largo, expressivo. Um sorriso sincero e cheio de alegria. Um sorriso meu. Pra mim, que bastava um leve movimento para me fazer sentir a segurança do mundo inteiro. O sorriso tão claro e límpido que era capaz de pintar de quantas cores fosse possível meus dias mais cinzentos.

A mão no cabelo, como a alisar a minha pele. A maneira única de passar a mão pelo cabelo, começando com os dedos abertos e fechando quando chegava perto da nuca. O jeito maroto e desengonçado de enrolar os fios atrás da orelha, como a desligar-se do mundo por alguns instantes.

E só de fechar o olho posso sentir que estou perto dela. Mas ao abrir os olhos, meu mundo desaba por não encontrar mais o amor da vida inteira que conheci há tanto tempo que nem lembro mais quando.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

e sempre volta ao mesmo ponto

nossos olhares se encontraram mais uma vez. e dessa vez foi tudo meio diferente, sabe? diferente do que costumava ser. quando minhas mãos tocaram as suas, eu não parecia conhecer as rugas nos dedos que costumava reconhecer como a mão que me acariciava o rosto entre os beijos.

depois de nossas mãos, naturalmente, se afastarem, como pólos semelhantes de imãs, nossos olhares cruzarem caminhos diferentes, depois de um não e um sim. uma simples discordância, nada grave para um casamento tão longo. depois disso, nos deparamos com o maior medo de toda nossa vida.

não podíamos estar pensando no fim de tudo. afinal, nossa promessa era a eternidade. o amor eterno, até ficarmos velhinhos e de cabelos brancos e podermos sentar à varanda contando histórias de juventude.

nós não conseguimos olhar um para o outro. apenas sentimos como seria se tivéssemos coragem para deixar ali o sentimento que havia naquele exato momento. não havia mais sentimento, era isso.

e então emudecemos diante da possibilidade de ficar longe um do outro. nós não sabíamos viver um sem o outro. mentira. eu não sabia viver sem ela. mas sabia perfeitamente que ela não precisava de mim para nada. nem para ser infeliz. até isso ela conseguia sem minha participação.

quando não deu mais para sustentar, caí. uma queda tão grande, que parecia estar junto com alice. mas não tinha queda. era apenas a sensação de uma vida inteira sendo deixada pra trás.

ela voltou. eu entendi. não era pra me levantar, me reerguer. era pra me ajudar a começar a andar com minhas próprias pernas. eu não conseguia. ela era meu guia. segura e forte, não me deixava pensar em nada.

nada.

agora é isso que somos. nada um do outro. nem passado nem presente. somos apenas lembranças de boas lembranças querendo esquecer as tragédias.

como não conseguir dormir entre um dia e outro

meu maior lamento é não poder tocar o céu. eu nunca pude tocar o céu. e também acho que nunca poderei. assim, na verdade, não sei se meus braços são curtos demais para tocar o céu ou se minhas pernas pesam demais para sair do chão.

domingo, 6 de outubro de 2013

Metal contra as nuvens

A torneira da pia está ligada e não para de derramar água. De dentro do box embaçado eu consigo ver a água transbordando da pia e escorrendo pelo chão. Estou imóvel e não posso fazer nada para conter que ela tome todo o banheiro. A temperatura do chuveiro está alta, talvez queime um pouco a minha pele, mas não consigo sair daqui. A água quente escorre pelo meu rosto e eu já não posso distinguir entre ela e as lágrimas que também insistem em cair e se juntar ao monte de cabelo que entope o ralo.

Caminhando pela casa, a água está em toda parte. Cozinha, sala de estar, quarto. Molhou todo o tapete branco que ficava sob os pés da minha cama. Meus pés estão molhados. O vento que vem da janela arrepia meu corpo inteiro. Esqueci de me cobrir depois de sair do banho. Mentira. Não quis me cobrir ou secar meu corpo.

Ignorando a possibilidade de morrer, ou talvez contando com as chances de tudo dar errado, insisti em usar eletrônicos, ligar tomadas, usar um secador para secar as lágri... digo, meu cabelo. Nada aconteceu. Nada que viesse, de repente, livrar um mundo inteiro de um peso inútil.

A água da pia ainda escorre e o barulho infernal irrita minha mente a ponto de me fazer gritar o mais alto que posso. Até que um vizinho que raramente falo e só encontro no elevador começa a bater em minha porta. Amaury é o nome dele. Abri a porta com um sorriso claramente forçado por detrás de todos os soluços que Amaury já tinha escutado.

Amaury desligou o chuveiro, a torneira do banheiro e o secador. Me trouxe uma toalha com alguma peça de roupa que ele mesmo pegara em meu guarda-roupa. Ele nunca tinha entrado em minha casa antes. Eu nunca permitira a mim conhecê-lo, nem deixei que ele me conhecesse.

Me perguntou o motivo de toda aquela bagunça, reclamou comigo por eu ter usado o secador, disse que poderia ter causado um acidente grave e graças a algum deus, que eu não lembro qual ele nomeou eu estava vivo.

Depois de tudo ele me preparou um chá. E decidiu que só sairia de minha casa quando eu aparentasse estar bem. Conversamos sobre um monte de coisas banais. Ele me contou que era seu aniversário de 44 anos, me falou sobre as mulheres que tivera na vida, que não fumava cigarros de nicotina, só maconha, mas que não tinha levado nenhum baseado para minha casa. Me disse que foi muito apaixonado por uma namorada quando era jovem, mas que deixava ela em casa e ia para o brega. Disse que gostava das duas coias: do amor e da putaria.

Antes de ir embora, Amaury me pediu para tomar cuidado e lembrar que nós não temos outra vida para viver. "Só há uma, lembre disso". A essa altura, minhas lágrimas tinham secado e eu já estava vestido. Liguei a TV para ver o jornal da meia-noite.

domingo, 22 de setembro de 2013

tudo ou nada (ou quando, na verdade, preferi esquecer o que vi e o que ouvi)

ei, amor, porque você nunca me contou sobre esses desenhos guardados nesta caixa, em seu armário? são seus? você desenha bem. mas porque a o nome assinado não é seu? ah, então não são seus. entendi. mas de quem são, meu amor? ah, sim, claro, de um amigo muito querido. tem certeza de que não se trata de um amor do passado? (rsrs) claro que compreendo, meu amor. mas, espere, a data é atual, foi rabiscado este ano, ainda. você ganhou desse amigo querido ainda este ano. por que não me diz, amor? entendo. eu desisto de tentar te fazer falar algo. vamos fazer de conta que nunca vi nenhum desses desenhos. não quero te aborrecer. venha aqui, me dê um beijo! pronto. estamos sem problema, certo? te amo, meu amor!

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Alberto, seu bom filho da puta

Alberto. Esse é o nome do comedor de criancinhas que arruinou minha vida. Quando o conheci ele era apenas o vendedor de uma loja de roupas onde, por engano, fui parar. Logo depois ele viria a se tornar o namorado de meu melhor amigo.

Essa foi a pior maneira do destino fazer nossos caminhos se cruzarem novamente. Começamos a sair, sempre juntos, os quatro. Alberto e meu amigo, eu e meu namorado. Íamos a festas e jantávamos juntos. Assistíamos espetáculos de teatro, tomávamos vinho e discutíamos arte depois à noite.

Fumávamos juntos também. Conversávamos sobre sexo, partilhávamos intimidades e, algumas vezes, a cama. Não pense que fazíamos sacanagem juntos. Não! Dormíamos juntos, eventualmente flagrava Alberto e meu amigo em movimentos denunciantes. E não duvido que eu e meu namorado já não tenhamos sido flagrados.

Éramos jovens e desapegados de demais pudores.

Triste foi o dia que meu olhar cruzou o olhar de Alberto e seu sorriso me pareceu iluminar todo o canto escuro da sala. Já não sentia mais por meu namorado o que sentia em início do namoro. Nenhuma paixão dura para sempre. Mas nunca também sentira por outro homem, que não ele, algo tão forte quanto sentira agora por Alberto. Decerto é apenas a força da convivência, pensei.

Dias se passaram e meu fascínio por Alberto e desfascínio por meu namorado só cresciam. Eu não compreendia muito bem, mas sentia. E não tinha sequer vontade de transar com ele. Mas as cenas de sexo que eu presenciava, agora mais frequentemente, já que moramos, os quatro, na mesma casa, só com essas cenas eu conseguia gozar.

Até que o dia de hoje chegou. Antes desse texto, escrevi uma carta. Deixei dentro do cinzeiro. Alguém lerá. Depois de escrevê-la, peguei minhas malas, minha coleção de discos de vinil e parti. Ainda não sei para onde vou. Talvez para longe da mais profunda dependência, longe do mais triste desquerer e perto de minha sanidade.

Agora, com o vento quase fechando minhas pestanas, já me sinto mais livre. Estou na estrada.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Eu sou camaleão, cara caramba cara caraô

Mandei que ela parasse com essas coisas de me comparar com qualquer pessoa que já tivesse a beijado. Mesmo que eu fosse igual a muita gente por aí, detestava ter que ouvi-la falar sobre como eu me portava diferente de seu ex-namorado, ou como meu pau era menor que o pau do primo dela. Essas comparações imbecis...

Insisti também, diversas vezes, que ela não falasse sobre nossas intimidades no meio dos amigos. Pelo menos, não quando eu estivesse presente. Ficava constrangido toda vez que ela reclamava para as amigas, e amigos também, sobre eu não conseguir gozar muitas vezes e como isso a frustrava. Segundo ela, seu ex era muito melhor na cama que eu.

Mas os pedidos não adiantaram de nada. Ela prosseguia com a mania insuportável de rir com aqueles dentes que lembravam uma hiena, na frente das pessoas. Uma risada horrorosa, cheia de humor de mau gosto.

Então, num belo dia de primavera - sim, já era primavera - eu acordei na casa dela e joguei todas as calcinhas que estavam penduradas no banheiro em sua cara. Claro, ela acordou assustada. Algumas nem eram dela. E depois falei o quanto achava insuportável ouvir ela rir, ver as calcinhas no banheiro e ter que chupar sua boceta toda depilada.

E com ares de superioridade, cruzei a porta e saí cantando alguma música de Chiclete com Banana, acho que Cara Caramba Cara Caraô.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Conversa de cabelos enrolados

Tinha acabado de fumar um baseado com uma amiga e fechei os olhos. Ela, chapada, como todas as vezes em que nos encontrávamos, me perguntou se eu fumava pra dormir. Eu, prontamente, disse que sim e até mais que isso. Eu fumo pra sonhar.

terça-feira, 16 de julho de 2013

livre, livre, livre para amar

os dias de leveza ficaram para trás, assim como as lágrimas. as lágrimas que, de vez em quando, eram sinais de alegria. ele era jovem. ele nem sabia o quanto queria ser feliz. ele não sabia ser feliz, para ser sincero. ele cantou. ele dançou. pulou muitas vezes. ele chorou mais vezes ainda. e abraçou e amou muito. ele costumava sonhar com um futuro distante e belo. ele não tinha medo. ele apenas ia em frente. ele não se importava com o que as pessoas diziam e não enfrentava o mundo com tanta amargura e raiva. ele era muito amor. e o mundo era muito mais colorido do que parece ser hoje. ele ainda se confunde com o autor. mas ele sabe que muita coisa mudou e que não é mais o mesmo. e agora ele sorri sem graça para um mundo sem fim.

domingo, 2 de junho de 2013

Bilhete de bom dia

"Eu encontrei as cartas e os presentes de seu amante. Não precisa mais mentir pra mim. Amanhã passo em sua casa para pegar minhas coisas. Não quero mais saber de você. Depois me diga se o filme que ele te mandou, e que você fez questão de assistir comigo, é bom. Vou adorar saber também se você está usando a pulseira banhada a ouro. Da próxima vez que me encontrar, refeito, pode crer, me diga se ele também gosta do mesmo lado da cama que eu gosto.

Sem beijos, dessa vez. Tenha um péssimo dia. E que todos os outros sejam piores, geometricamente piores."

E assim, parece que o dia começou.

domingo, 12 de maio de 2013

Você precisa saber de mim


- Você conversou com ela?
- Sim!
- O que ela falou?
- Sei lá! Um monte de coisa sem sentido.
Soluço.
- Ela me odeia...
- Imagina, Toni! Odeia nada! Vocês estavam juntos até ontem, jurando amores...
- A gente já num tá junto há um tempão. Nosso namoro já estava acabado há quase um ano. Nós não contávamos mais um com o outro pra nada.  A gente tinha segredos entre nós.
- Mas segredos são normais entre casais, Toni! Oxente!!
- Eu sei...
Soluços. Soluços.
- Mas os nossos segredos não eram tão simples assim. Ela me escondia saídas com amigas, fotos em happy hour com colegas de trabalho.
Lágrima escorrendo pelo rosto. Silêncio.
- Ela me escondeu um presente que ganhou de um amigo. Por quê? Por quê?
- Mas você, por exemplo, conversa comigo coisas que não contava a ela. Assim espero, pelo menos.
- Claro!! Mas não é o fato de contar ou não o conteúdo das conversas particulares. É não me contar as pequenas coisas! Ela se divertia tanto, por que não me dizer isso?
- Às vezes ela não contou porque sabe de seu ciúme doentio.
- E eu sei do ciúme dela.
- Você sabe como você agiria se soubesse que ela sempre saía depois do trabalho, né?
- Eu nunca a proibi de nada. Nunca briguei por ela sair com as amigas no fim de semana. Ou quando ela me contava das cantadas que recebia na rua ou de alguns colegas de trabalho. Nunca!!
- Entendo... Mas ela te explicou os motivos de terminar?
- Falou... Disse que eu não confiava nela, que eu a perseguia, que escondia segredos dela... Mas eu nunca, nunca escondi nada dela.
- Hum. Talvez ela tenha desconfiado de você, se você paquera alguém.
- Você tá cansada de saber, Ângela, que eu não tenho paquera alguma fora de meu namoro.
Cigarro. Isqueiro. Trago. Baforada.
- Ela começou a despejar o ódio melancólico dela sobre mim, chorando desesperadamente. E eu comecei a chiara também. Parecia um velório.
- Deus é mais, Toni!
- E eu parado, escutando ela me destruir, me falando as piores barbaridades do mundo como a mais pura verdade. E eu não pude dizer nada. Não consegui nem me defender, mesmo porque não tinha do quê.
Trago. Baforada. Soluço. Tosse.
- Eu to aqui contigo, amigo. Pra sempre.
Sorriso
- Te amo!
- Também te amo, seu bobo. Fica calmo que as coisas vão se resolver.
- Não quero mais resolver as coisas. Só quero que essa dor passe e que eu fique livre da lembrança dela.

domingo, 28 de abril de 2013

Adeus também foi feito pra se dizer

Enquanto eu estava sentado no sofá  fumando um cigarro, tomando uma dose de conhaque, ele arrumava as malas. Era uma despedida, eu sabia. E não havia o que questionar. Aliás, não questionava nada em nenhum momento. O fato de eu estar fumando já provava o quanto eu me incomodava com aquela situação. Mas um incômodo que não mexia tanto com meus sentimentos por ele. Pelo contrário, um incômodo que pedia que aquilo terminasse logo e eu pudesse deitar em minha cama sozinho e passar a noite inteira pensando em nossos momentos felizes.

Por um segundo pensei em impedir que ele fechasse o zíper da mala. Pensei em jogar a roupa dele toda na cama e falar que eu estava enganado, que não queria que ele se fosse. Mas não era isso que deveria ser feito. Por mais que tenhamos sonhado muitos sonhos juntos, acho que agora já é a hora de dizer adeus.

E assim foi feito. Ele cerrou a mala, abriu a porta e eu fechei meus olhos. A lágrima escorreu de meu rosto até meus lábios. O sabor era salgado. Porém haverá de se tornar doce e, no fim, sabor algum terá.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

o sono


As memórias de dois mil e passado voltaram. E agora eu já não sei por que choro. Se por aquela paixão boba não correspondida, se pela saudade da viagem mais legal de minha vida com os amigos mais legais praquela vida, se com as músicas que embalavam minhas viagens de ônibus naquele tempo.

Não sei se ainda encontro minhas lembranças. O espelho é velho, assim como elas, e está completamente manchado com as marcas da felicidade de outrora. Manchado com pasta de dente de ontem.

Eu levanto da cama pra cair de novo deitado sobre ela. Durmo como se não tivesse tomado qualquer remédio contra insônia essa noite, enquanto a cartela vazia cai no chão.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Segue o trem


Naquela noite conversamos sobre um monte de coisas. Menos sobre tudo que tínhamos costumes de falar. Essas coisas nos passaram imperceptíveis, mas na volta pra casa, no silêncio da viagem, forçadamente separados pelas poltronas compradas às pressas na estação. Quase nem íamos no mesmo vagão. Meu olhar fugia pela janela e encontrava as pedras da ferrovia, a ponte, o rio sobre a ponte, os carros que passavam devagar na estrada bem ao longe. Lembrava de como há um ano as conversas fluíam como se nunca faltasse assunto. Hoje em dia tínhamos que nos forçar a falar. Chegará o dia em que nos esforçaríamos para não falar?

Quando em todas as nossas falas cabiam sorrisos, gargalhadas, beijos. Quando em nosso silêncio cabia o amor que nunca faltava. E agora tínhamos mil assuntos não nossos a tratar enquanto estávamos juntos. Seria a velhice de nossa relação? Seria o sono e cansaço? Seria o cansaço? Talvez a rotina tenha ferido a nossa paisagem. Talvez o costume de nos dar abraços assim que nos víamos fez o abraço perder o sentido e parecer uma formalidade qualquer como em uma cerimônia entre Estados.

O meu olhar ainda passeava pela paisagem. Mas vez em quando parava sobre o meu anelar esquerdo. Nossa aliança, trocada no dia de nosso casamento, casamento de mentira, quando nos mudamos para a mesma casa. Minha aliança era o símbolo máximo de meu amor e minha fidelidade. Uma prova de amor, sinceridade, compromisso, companheirismo, luta diária, amor próprio.

Amor próprio. Era isso que me faltava. Perceber isso era fácil, matar o desamor não era. O trem parou na última estação. Já não ia mais sozinho, pelo menos não fisicamente. Um beijo no rosto, um olhar perdido, um sorriso. Tudo que, antes, me deixava aquecido o resto do dia, agora sequer acendia uma faísca em meu peito.

Levantamos, demos a mão e saímos do trem. E deixei, com infelicidade todos os meus pensamentos na poltrona doze do quinto vagão.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Equinócio


De repente uma brisa leve tocou meu rosto. Era como mãos infantis me fazendo carinho. E um breve sorriso me escapou dos lábios. Há tanto tempo não sorria. Que estranho! Algo parecia escandalosamente estranho naquele momento. Era como se não houvesse mais motivos para esconder alegria. E não havia, de fato. A estranheza era parte de nem lembrar como era sorrir com liberdade de ser feliz.

Tão repentino quanto a alegria foi a tristeza que se seguiu, no entanto, uma tristeza vazia. Um vazio que agora podia ser preenchido. Era essa ideia de que alguém pudesse habitar o lugar que foi de outro por tanto tempo que deixava tudo tão confuso. Um verdadeiro misto de alegria, liberdade, dor, medo, angústia. Saudade. É, acho que essa é a palavra certa. Saudade sem dor. Uma saudade boa e leve, como a brisa.

Levantei da cama, abri as cortinas e a chuva lá fora também tinha parado. O inverno finalmente acabara. E as pessoas já não estavam mais usando guarda-chuvas. Saí do quarto e corri para a sala. A luz brilhante do sol tocava o chão e a mobília e me fazia, ao mesmo tempo, sentir que tudo estava pronto para recomeçar.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Sobre dois adolescentes (ou Há quase 40 anos)


Quando o vi pela primeira vez, só enxerguei seu sorriso. Era lindo. Apenas isso vinha em minha mente. Seu convite para que eu o seguisse era como um chamado aos mais incríveis encantos. Acabávamos de nos conhecer e era como se já soubéssemos um do outro desde sempre. Naquele dia decidi que o queria perto de mim pra sempre.

Enquanto conversávamos, me encantava por seu olhar. Um brilho escapava de lá, a cada piscar de olho. E era mágico. Em seu rosto as espinhas estouravam. Eu também as tinha, não me incomodava. Pelo contrário, me deixava mais inebriado. Tinha uma beleza juvenil, um menino. Duvidava que seus pais o deixasse sair de casa sozinho. Mais um convite com brilho no olhar e sorriso no rosto e infelizmente eu não podia ir com ele, mesmo que minha vontade fosse de abandonar tudo que eu estava fazendo para o seguir.

Naquele fim de semana não pensei em outra coisa. Contava as horas para nosso próximo encontro. Esperei ansiosamente uma semana inteira para que pudesse abraçá-lo novamente. Minha alma não se continha de tamanha excitação. Meu corpo também não. Incontáveis foram as vezes que, durante essa semana, imaginei seu corpo junto ao meu e, claro, aliviei como qualquer adolescente, tamanha vontade de tê-lo pra mim. Um abraço era tudo que eu precisava. E sonhei que nos víamos muito mais que uma vez por dia e, mais de uma vez por dia o rendia homenagens solitárias em meu quarto, banheiro, quintal...

E finalmente pude revê-lo, com os mesmos sorrisos com os quais  havia me deixado no fim de semana anterior. A cada dia aumentava o meu desejo de reencontrá-lo. Aumentava também minha vontade de estar com ele todos os dias de minha vida. E se ficava um dia sem falar com ele era como estar mais próximo da morte.  A dor da saudade me matava aos pouquinhos, mas qualquer palavra dita, qualquer que fosse, era um sinal de alívio e esperança. Eu o amava e sabia disso. E ele sabia disso. E era recíproco. Nos amávamos como dois adolescentes que éramos.

E nos amamos por todos os dias, sem nunca beijar-nos, sem nunca tocarmos o sexo um do outro, sem nunca sequer contar para o outro o quanto estávamos apaixonados. E então, o destino, o mesmo que o trouxe até mim, tratou de tirá-lo de minhas mãos. E assim, da mesma maneira que a paixão surgiu, foi-se, depois de algumas lágrimas e de uma dá qual não me lembrava há 37 anos.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

how do you feel?

é apenas isso que me pergunta? rsrs!! como se fosse alguma novidade!
sério? quer mesmo que eu fale aqui como eu me sinto?
...
tá bom! apesar de achar essa a pior maneira de se começar uma conversa.
não, não me entenda mal, eu sei que as conversas começam com um "como cê tá?", mas é que hoje eu não gostaria de responder a essa pergunta.
posso escolher pular? rsrsrs
não, espera! eu vou responder, na verdade tem charminho no que falei até agora também. =P
...
...
...
estou bem.
...
mentira, a quem eu quero enganar?
não estou nada bem, estou desencontrado.
sempre soube que essa hora chegaria e, na verdade, não tenho a menor ideia do que fazer.
eu sei que você me avisou. como não lembrar de sua voz cada vez que eu paro pra pensar naquelas palavras. nas muitas que trocamos, aliás. nas todas.
...
eu criei um monstro dentro de mim e ele não me faz bem.
eu deveria saber como matá-lo, afinal de contas criador >>>>>>> criatura.
mas a verdade é que eu não tenho a mínima ideia.
...
não, não quero te importunar com minhas besteiras infanto-juvenis.
elas servem pra derrubar algumas lágrimas e me fazer escutar todos os CDs que eu comprei quando tinha 14 anos e sofria de amores por uma garota de minha sala.
...
no mais, estou bem. o que eu tenho é o desejo de paz de espírito e de sonhos.
acho que estou meio triste porque o vasco perdeu também.
e, pra ser sincero, to chateado porque muitos dos meus já nem lembram que eu existo.
...
...
eu sei. não precisa me lembrar que a culpa é minha também. você não é a única pessoa que me diz isso. RISOS.
outra coisa, nada a ver, minha camisa do cachorrinho com cara molhada está na sua casa?
...
eu posso passar aí pra pegar? quero ir pra faculdade com ela na quarta.
...
aproveitamos e conversamos mais. eu não quero jogar todas as minhas tristezas aqui. quero gastar minhas lágrimas em seu ombro.
e poder contar tudo tomando vinho. eu vou levar coxinha também, acho que meu espírito merece.
...
depois falamos, beijos.