terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Segue o trem


Naquela noite conversamos sobre um monte de coisas. Menos sobre tudo que tínhamos costumes de falar. Essas coisas nos passaram imperceptíveis, mas na volta pra casa, no silêncio da viagem, forçadamente separados pelas poltronas compradas às pressas na estação. Quase nem íamos no mesmo vagão. Meu olhar fugia pela janela e encontrava as pedras da ferrovia, a ponte, o rio sobre a ponte, os carros que passavam devagar na estrada bem ao longe. Lembrava de como há um ano as conversas fluíam como se nunca faltasse assunto. Hoje em dia tínhamos que nos forçar a falar. Chegará o dia em que nos esforçaríamos para não falar?

Quando em todas as nossas falas cabiam sorrisos, gargalhadas, beijos. Quando em nosso silêncio cabia o amor que nunca faltava. E agora tínhamos mil assuntos não nossos a tratar enquanto estávamos juntos. Seria a velhice de nossa relação? Seria o sono e cansaço? Seria o cansaço? Talvez a rotina tenha ferido a nossa paisagem. Talvez o costume de nos dar abraços assim que nos víamos fez o abraço perder o sentido e parecer uma formalidade qualquer como em uma cerimônia entre Estados.

O meu olhar ainda passeava pela paisagem. Mas vez em quando parava sobre o meu anelar esquerdo. Nossa aliança, trocada no dia de nosso casamento, casamento de mentira, quando nos mudamos para a mesma casa. Minha aliança era o símbolo máximo de meu amor e minha fidelidade. Uma prova de amor, sinceridade, compromisso, companheirismo, luta diária, amor próprio.

Amor próprio. Era isso que me faltava. Perceber isso era fácil, matar o desamor não era. O trem parou na última estação. Já não ia mais sozinho, pelo menos não fisicamente. Um beijo no rosto, um olhar perdido, um sorriso. Tudo que, antes, me deixava aquecido o resto do dia, agora sequer acendia uma faísca em meu peito.

Levantamos, demos a mão e saímos do trem. E deixei, com infelicidade todos os meus pensamentos na poltrona doze do quinto vagão.

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