Sandro, de repente, fechou o livro que estava lendo, algo sobre religiões pagãs, e olhou para o souvenir da torre de Piza que tinha ganhado de seu ex-namorado. Abriu um meio riso, achando meia graça naquela miniatura de torre torta. Inclinou levemente a cabeça para corrigir o erro da torre, deixou o livro de lado e tomou mais um gole de vinho. Procurou a ponta que tinha deixado no cinzeiro, reacendeu, puxou umas duas ou três vezes e continuou a fitar a torre. E ela se inclinou mais ainda. Ou foi sua cabeça que inclinou para o lado contrário. A uma altura dessa, vinho, maconha, sono, já não sabia.
Sandro tentou continuar a ler, mas as lembranças de seu ex-namorado que fora à Itália começaram a surgir e surgir e voltavam e ele já tinha mergulhado na bad trip. E começou a lembrar de como se conheceram trocando olhares na escadaria da faculdade. Sandro ainda era casado com Adriana e não entendeu porque sorriu para o desconhecido bonitinho que subia a escada e que também sorria para ele. Eles nem se conheciam e Sandro já sabia que o queria por perto o mais rápido possível. E depois ele contou a Sandro que não virou só para não dar ousadia, mas que perguntou aos amigos se sabiam quem era o de aliança na mão.
Sandro nunca traiu sua esposa e quando viu que seu pau subia agora por um rapaz decidiu separar. A onda bateu ruim de novo, sentiu-se péssimo em abandonar a mulher com quem sonhou ter filhos, até. Tomou mais um gole de vinho e deu mais um pau no baseado, que a essa altura já era quase ponta. Precisava mudar a
vibe da noite. A torre se entortou mais ainda e ele já nem sabia mais se era Piza ou Eiffel. Piza, decidiu. Lembrava pizza, que lembrava Itália que lembrava seu ex. Decidiu homenagear o souvenir e resolveu matar a fome, aquela famosa fominha, com uma macarronada.
Decidiu cortar tomate, cebola, pimentão, alho, tudo isso enquanto a massa cozinhava. Chorou muito enquanto cortava o alho. Não entendeu nada pois, apesar de se parecerem, ele sabia que alho não faz chorar igual a cebola. Mas a gente sabe, Sandro, a gente, que está sem fumar nada, sabe que você morre de tesão nesse cheiro de alho. Não é bem tesão, não sei o que é pois não sou você. Mas sei que você morre de saudade desse homem, esse capeta disfarçado de homem, e que alho te faz lembrar como vocês começaram esse romance esquisito.
Sandro chorou e cortou o dedo enquanto tentava cortar pedaços de bacon para colocar no molho. Essa não era a noite de Sandro. Decidiu que ligaria para ele. E ligou:
- Alô! - aos prantos e nem conseguia abrir os olhos e sentado no chão cozinha
- Hum...
- Eu não consigo esquecer de você, inferno...
- Hum...
- Que feitiço você me rumou que eu não posso me desligar desse amor? Tem alho nele?
- Hum... - riu um pouco, mas disfarçou.
- Por mim você morria.
- Arram...
- Mas vem se despedir de mim aqui em casa antes de morrer? - desligou o telefone achando que já tinha dado ousadia suficiente para aquele babaca.
Ele não foi, mas alguém apareceu por lá meia hora depois e encontrou sangue na cozinha e o macarrão queimando no fogão. Sandro estava no banheiro lavando o rosto e o machucado. Quando viu que alguém batera a porta correu feliz ao seu encontro e viu que era Thiago, seu melhor amigo. Este, espertamente trocara o nome dele com o do tal ex na agenda do celular de Sandro para evitar esse tipo de atitude que acabaria em ressaca moral, afinal todos sabemos como é vergonhoso ligar para o ex durante embriaguez.
Thiago ligou para a pizzaria, guardou o souvenir, fez um curativo na mão de Sandro, enrolou mais um baseado e decidiu que passariam a madrugada assistindo a sitcoms juntos, falando mal dos ex, comendo besteira e sem pensar em nenhum país além-mar.
Sandro riu e esfregou bastante sabonete na mão para sair o cheiro de alho. Mas sabia que se encostasse o nariz no indicador esquerdo poderia sentir o cheiro maldito da mais gostosa paixão que já teve.