segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Melissa

Ela entrou. Jogou as chaves num canto, a bolsa num outro canto da sala, tirou o sutiã por baixo da blusa azul. Estava com vontade de não fazer parte do mundo. Como as coisas poderiam dar tão errado com uma pessoa em tão pouco tempo? Ela não acreditava que era o fim do seu namoro que estava fazendo isso com seu humor. Nem amava o desgraçado. Na verdade, há algum tempo não nutria sentimentos por nenhum rapaz. De repente se lembrou de seus biscoitos comprados numa lojinha do interior. Correu ao banheiro, tomou um breve banho. Sentou em frente à TV. Que bom que estava sozinha. Era a melhor parte do dia. Estar só em sua casa, com a TV ligada e vendo filmes em alemão, sem legenda. Ela não entendia nada de alemão, mas o preto e branco e as vozes e as faces a deixavam altamente em polvorosa. Sentada no sofá, uma caixa de biscoitos, um chá de maracujá, filme alemão.

Ao ouvir o telefone tocar, ignorou todas as sete ligações. Ela não queria ser incomodada. Era seu ex-namorado não amado que ela tinha tomado repúdio depois de descobrir que não amava. Queria atender. Sentiu-se sozinha. Viu-se sozinha. Não desejava, nem gostava de se sentir sozinha. Por um momento pensou em retornar as ligações, mas a possibilidade de ter que conversar com alguém e estragar seu filme alemão a fez desistir.

Foi até a janela olhar os carros passando oito andares abaixo. Adorava passar o tempo olhando os carros e vendo como a cidade à noite era viva. Mais um pouco de chá. Pôde olhar no prédio em frente, uma menina dançando para o espelho, um cara tocando saxofone, um casal jantando a luz de velas, uma senhora que parecia chorar vendo TV, um senhor pintando uma tela. Lembrou do seu filme alemão. Voltou à sala, ao sofá. 23h38min. O filme estava acabando. Na verdade, a sua paciência também.

Saiu da sala, largou os biscoitos sobre a mesa, correu ao quarto. Colocou uma saia, uma blusa, uma bota, batom, pegou sua bolsa, desligou a TV, ligou pra uma amiga, catou as chaves no canto onde tinha jogado, bateu a porta e foi passar o resto da noite do lado de fora do mundo.

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