Eu esqueci como era teu sorriso. Ontem, chorei por mais de meia hora só por ter esquecido também o jeito que você me falava "boa noite". Eu não consegui sequer lembrar em qual posição você dormia e me aconchegava em teu corpo. Não lembrei se suas pernas iam por cima das minhas ou o contrário. E isso me fez lembrar que eu reclamava quando não conseguíamos o encaixe perfeito de nossos dedos dos pés. Um centímetro a menos e um frio assombroso quase congelava nossos pés.
Nossa! Esqueci também se você tomava café com duas ou três colheres de açúcar. A proporção de leite no teu copo eu ainda posso recordar. Quatro pra um. Risos. Outro dia, coloquei um pouco de leite em tua caneca para mim, a fim de ver se teu gosto ainda estaria lá, de alguma forma. Não estava, claro. Quem tomou todo o leite foi o Chico, que ainda procura teu colo todos os dias, a partir das 20 horas, em frente à nossa TV, na poltrona que era de meu avô e que você insistia em manter em casa, no meio daqueles móveis retilíneos.
A decoração da sala continua desequilibrada por conta da poltrona, mas eu decidi manter depois que você nos deixou. É uma cama para Chico e um dos meus jeitos de te fazer presente naquela casa. Ela continua lá, no mesmo canto onde você deixou quando a gente se mudou para este apartamento. A TV também está no mesmo lugar. Mesmo depois de assistir a todos os canais possíveis, prefiro deixar ela desligada sempre naquele canal que você adorava. É outro jeito de te manter perto. Ligar o aparelho e, de repente, ouvir a voz no noticiário é como olhar a poltrona e ainda te encontrar sentado, meio de lado, tomando um café, fumando um cigarro ou enrolando um baseado.
Outro dia, a Luana esteve aqui e me perguntou se você tinha parado de fumar, já que nunca mais tinha sentido nenhum cheiro invadindo o quarto dela. Dei uma desculpa qualquer para ela, disse que você não estava em casa, disse que eu estava de saída. Ela deve ter percebido tua ausência. Todos percebem. Essa casa é enorme sem você. Sou capaz de ouvir o eco de meus soluços, toda vez que sento à mesa de jantar sozinho. O bater dos talheres nos pratos. No prato. Só tem um na mesa, sempre. A geladeira não tem mais comida saudável. Vive cheia de caixas e enlatados, todos pela metade. Preciso aprender a comprar porções únicas.
Esta manhã, pensei em você. Acordei com dor de cabeça. Quando falei alto, imaginando alguém me ouvindo reclamar, lembrei de como você me mandava, todas as vezes que tinha dor de cabeça, procurar um médico. "Isso não é normal!", você dizia com uma cara de preocupação. Passaria dores de cabeça por todos os dias de minha vida, só pra ter certeza de tua preocupação com minha saúde. Era bom me sentir tão querido e cuidado. Agora só minha mãe faz perguntas do tipo "comeu bem?", uma vez por semana quando ela lembra de me ligar.
Ah, não tenho usado mais o ar condicionado de nosso, digo, de meu quarto. E também parei com o descongestionante. Acho que você ia gostar de me ver tão saudável. Tirando a parte dos enlatados. O Chico chegou nos meus pés pedindo comida. Vou colocar o pratinho de ração dele. Ainda bem que você não pôde levá-lo para tua casa nova. Ele tem me feito companhia. Bom, estou indo, este gato é um esfomeado. Risos. Quando for dormir, volto a tentar lembrar qual nossa posição. Vai ser mais uma tentativa frustrada, tenho certeza. Já vai, Chico!
Um comentário:
Certamente estou chorando agora.
Achei doce, triste e até um pouco melancólico. Mas ainda assim, doce e terno, não sei se terno. Talvez profundo. Ou único. Ausência. Amor.
Muito bacana cara.
Acho que encontrou um leitor fiel.
Té mais!
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