Olhando para o rosto no espelho, a barba por fazer, o sorriso amarelo e sem graça. Ele era um menino na alma. Não sabia se comportar diante de tantas mudanças. Lavou o rosto e voltou a olhar o espelho. É, era capaz de se reconhecer. Mas não sabia ao certo o quanto queria ser daquele jeito. De qualquer forma, ele era capaz de ver no espelho um rosto com o qual ele conseguia se sentir agradável.
Mas por fora de seu banheiro, nada era como ele queria. Ele, decerto, tinha sonhos, mas nenhum deles era tão próximo quanto desejava que fosse. Era apaixonado, mas não sabia como externar esse sentimento. Tudo em sua realidade era tão distante. Ele era jovem, mas não era assim que se sentia. Ele era um rapaz bonito, mas não fazia sucesso algum com as garotas. Ele não se importava com isso. Sucesso com garotas era o que ele menos queria fazer. Nem com garotos, antes que concluam que era gay. Assim, pregava sua liberdade de beijar qualquer um que quisesse beijar.
Ele se sentia mesmo um viajante. Não se achava em casa, mesmo morando naquele endereço desde que nascera. Seus pais, já mortos e sua irmã, um ano mais velha que ele, nunca fizeram questão de sair de lá. Ele não, sempre sonhou como seria o mundo longe da rua estreita e arborizada onde morava. Sempre pensou que seria um lugar bonito lá fora. Lá longe, onde não pudesse lembrar de como as folhas caídas do outono tremilicavam quando os carros silenciosos dos ricos vizinhos passavam por cima delas. Ou ainda onde não precisaria ver o ônibus escolar passar toda manhã carregando as crianças para o colégio. O mesmo motorista que um dia também o levou.
Saiu do quarto, olhou ao redor, as roupas de seu affair jogadas pelo chão. Achou graça daquilo tudo. Arrumou as roupas num canto da cama, olhou pra ele e pensou que se fosse outra pessoa qualquer, estaria sentindo a mesma coisa. Nada. Não sentia nada.
Decidiu, ali, que passaria um tempo fora daquela cidade, morando num lugar qualquer longe de todas as coisas que aprendera a odiar com o tempo. Começou, então, a fazer as malas.